quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Anterioridade da lei e a lei penal no tempo

Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal, diz o artigo primeiro do Código Penal.
Importante, assinalar, que externos dois princípios fundamentais no dispositivo, supra: (i) da reserva legal; e (ii) da anterioridade. Redação semelhante possui o inciso XXXIX do artigo 5º da Carta Republicana. Oportuno salientar, ainda, que tais princípios geram as figuras da irretroatividade e da taxatividade. Nestes termos, o artigo 2º do CP fala da irretroatividade.
Tenha-se em conta que este princípio só se faz presente quando se trata da aplicação de lei mais severa. A lei mais benigna (lex mitior) retroage em benefício do agente. A taxatividade protege o indivíduo contra a criação de leis não adequadamente objetivas e, mesmo, contra eventual arbítrio do julgador, quer incriminando determinada conduta, quer exacerbando a pena.

Nesse diapasão, em sede criminal, em respeito ao princípio da reserva legal (artigos 5º, XXXIX, da CF e 1º do CP), é de rigor que o hermeneuta e aplicador da Lei atenham-se à letra do dispositivo legal, ainda que esmere o exegeta, não sendo possível dar-lhe interpretação ampliativa ou analógica para abranger conduta não definida.
Consoante impera o ordenamento jurídico pátrio “A Lei nº 9.029/1995 não admite interpretação extensiva para a configuração do ato ilícito, porque atentaria contra o princípio da reserva legal (art. 1º do Código Penal), convindo lembrar que este diploma tipifica situações discriminatórias que se reputam criminosas, não afetando apenas as relações trabalhistas. Ainda que a Lei nº 9.029/1995 não possa ser invocada, o ordenamento jurídico repudia a prática de ato discriminatório, especialmente quando associada à situação atentatória aos direitos fundamentais. Para tanto, cabe ao trabalhador fazer a prova segura do ato repulsivo ou apontar indícios veementes de sua ocorrência. Por outro lado, não sendo o autor portador de doença grave, como alegou, e considerando que os indícios não demonstram qualquer correlação de sua enfermidade com o ambiente de trabalho, razão pela qual não era detentor de estabilidade, resta incabível a acusação formulada contra a empresa. Recurso improvido.” (TRT 18ª R. – RO 0000924-56.2012.5.18.0101 – Rel. Juiz Kleber de Souza Waki – J. 09.12.2015).
Nessa órbita, com efeito, imperativo legal determina que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
O parágrafo único deste dispositivo preconiza, outrossim, que a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Logo, em se tratando de crime continuado, pode ocorrer que a conduta delituosa inicie sob a vigência de uma lei, prossiga sob uma segunda e termine quando em vigor uma terceira. Será o caso de leis sucessivas. Poderá, então, fazerem-se presentes a retroatividade ou ultratividade. Valiosa lição de MIRABETE[1] a respeito ensina: "No caso de vigência de três leis sucessivas, deve-se ressaltar que sempre será aplicada a lei mais benigna, entre elas: a posterior será retroativa quanto às anteriores e a antiga será ultrativa em relação àquelas que a sucederem. Se, entre as leis que se sucedem, surge uma intermediária mais benigna, embora não seja nem a do tempo do crime nem daquele em que a lei vai ser aplicada, essa lei intermediária mais benévola deve ser aplicada ex vi do artigo 2º, parágrafo único, do CP.''
Quantus, à competência, nos termos da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), artigo 66, inciso, I. O recurso é o agravo, nos termos do artigo 197. Em se tratando de processo findo, adequado é o pedido de revisão, nos moldes do artigo 621, inciso, I, do Código de Processo Penal.
“Crime tributário. Não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas aos empregados. Condenação por infração ao art. 168-A, CC. Art. 71, do CP. Débito incluído no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. Parcelamento deferido, na esfera administrativa pela autoridade competente. Fato incontrastável no juízo criminal. Adesão ao Programa após o recebimento da denúncia. Trânsito em julgado ulterior da sentença condenatória. Irrelevância. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei nº 10.684/03. Norma geral e mais benéfica ao réu. Aplicação do art. 2º, § único, do CP, e art. 5º, XL, da CF. Suspensão da pretensão punitiva e da prescrição. HC deferido para esse fim. Precedentes. No caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia, mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.” (STF – HC 85048 – RS – 1ª T. – Rel. Min. Cezar Peluso – DJU 01.09.2006).
Em sede jus laboral, observe a força do princípio em comento! “Não viola a literalidade do art. 137 da CLT decisão que determina que o terço constitucional incida sobre a dobra das férias, o que está em conformidade com a Súmula 328/TST (§ 4º do art. 896 Consolidado). Inviável a análise de possível afronta ao art. 5º, XXXIX, da Carta Magna, quando o Tribunal a quo não é instado a sobre ele se manifestar. Agravo a que se nega provimento.” (TST – AIRR 1250/2002-043-12-40.4 – 5ª T. – Rel. Juiz Conv. José Pedro de Camargo – DJU 04.11.2005).
Considerações finais. Peço vênia, a respeito, para colacionar parte do julgado, in verbis: “(...) incabível a aplicação retroativa das normas relativas às causas de aumento e diminuição de pena, porque tais dispositivos não podem ser dissociados da norma que estabeleceu pena base mais grave que a anterior. 13- Não é possível combinar a pena base da lei anterior com as causas de aumento e diminuição da lei nova, formando uma terceira lei, não prevista pelo legislador, sob o argumento de que parte da lei nova é mais benéfica e portanto deve retroagir para favorecer o réu, pois ao assim agir, o Juiz, na verdade, está legislando criando uma nova lei, de conteúdo híbrido, não prevista pelo ordenamento jurídico, nem intencionada pelo legislador, o que não lhe é lícito, sob pena de afronta ao princípio constitucional de separação de poderes. 14- Não se pode considerar que a lei nº 11.343/06 seja sempre mais benéfica, uma vez que o réu que for condenado por crime cometido na sua vigência não estará necessariamente em situação melhor que aquele que praticou o delito na vigência da lei anterior: apesar da causa de aumento de pena da internacionalidade ser mais branda e haver previsão de uma causa de diminuição anteriormente inexistente, elas serão aplicadas sobre uma pena base mais grave. (...). (TRF 3ª R. – ACR 2004.60.05.001035-2 – (20668) – 1ª T. – Rel. Márcio Mesquita – DJe 03.11.2008 – p. 77).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE MATERIAL DE PESQUISA:
ALENCAR, Hermes Arrais. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS 4ª ed. Editora Leud, 2009.
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. As Recentes Alterações no Código de Processo Penal: Lúmen Júris, 2009. 
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 16ª edição, Editora Método, 2000.
DALVI, Fernando; DALVI, Luciano. Manual Prático de Rotinas Trabalhistas e Previdenciárias descomplicado: Editora Contemplar, 2015.
FRANCO, Alberto Silva e RUI Stoco. Código Penal e sua Interpretação – Doutrina e Jurisprudência 8ª Ed., editora Revista dos Tribunais, 2007.
JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado, 23 edição: Editora Saraiva. 2009. 
JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado13º edição, Editora Saraiva, 2002.
MIESSA, Élisson; CORREA, Henrique. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST: 5ª Ed., Editora JusPODIVM, 2013.
MIRABETE, Julio Fabrine. Execução Penal 11ª edição, atualizada por Renato N. Fabrine, Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas 4ª edição: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
VIANI, Silvano. Técnica de Aplicação da Pena, editora Juarez de Oliveira, 2007.
https://jurisprudencia.oab.org.br/
http://www4.planalto.gov.br/legislacao...
http://www.stj.jus.br/sites/STJ
http://www.stf.jus.br/jurisprudenciaSumula...




[1]  JULIO FABBRINI MIRABETE. Manual de Direito Penal 5ª ed., vol. I: editora Atlas, 1990: 69.

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