domingo, 14 de julho de 2019

Bem de família legal e/ou convencional


O Estado assegura proteção especial à família. Nos termos da Constitucional Federal, o direito à moradia, é preceito de cunho social, à casa, é asilo inviolável do indivíduo.

“O bem de família constitui-se em uma porção de bens que a lei resguarda com os característicos de inalienabilidade e impenhorabilidade, em benefício da constituição e permanência de uma moradia para o corpo familiar.”[1] (VENOSA, Sílvio de Salvo, 2005:421).   

Nessa toada, vale dizer que existem duas espécies de bem de família: a) voluntário – decorrente da vontade dos interessados, de seu proprietário ou terceiro, com imperativo, ao atendimento de uma série de requisitos, esteio no estatuto civil; b) legal – este não depende da manifestação do instituidor e não está condicionado a qualquer formalidade. Configura-se pelo simples fato de o devedor residir em um imóvel, dessa forma, por força de lei, o torna impenhorável.

Nesse ínterim, anote-se, que instituído o bem de família, instituição formal e solene por meio de escritura pública, deixa o imóvel de responder pelas dívidas do devedor, exceto as que provierem de impostos e taxa condominial, relativos ao mesmo imóvel. Anotando que a lei requer a solvência do instituidor no momento da instituição, com escopo de evitar, com efeito, o prejuízo de terceiros. Ademais, a res gravada fica livre de dívidas futura, conquanto, não dispondo a impenhorabilidade de efeito retroativo.   

Vê-se, na órbita de efetividade ao preceito constitucional, que podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família que, nos termos da lei, não deve ultrapassar um terço do patrimônio líquido existente na ocasião da instituição, tanto da entidade familiar como do cônjuge instituidor. 

Nesse conduto, o ordenamento jurídico possibilita que na transmissão de bens e direitos sejam impostas pelo disponente limitações à propriedade do adquirente. Numa moldura fática, denota-se essa situação nas disposições gratuitas, ou seja, nas doações e nas disposições testamentárias. Sobre mais, o bem familiar constituído é sempre imóvel no qual se agregam os móveis, as pertenças e os acessórios.  

Segundo Costa Machado[2] a expressão entidade familiar é de concepção ampla. Logo, não comportando restrição, muito menos ser encerrada em número taxativo, contemplando, inclusive, a moradia de um único indivíduo. Diz ainda, esse Autor que a constituição do bem de família por testamento apresenta risco, vez que, esse instrumento legal caracteriza-se por ser um negócio jurídico causa mortes cujos efeitos só operam após a abertura sucessória, decorrente do passamento do instituidor, ensejando aos credores do falecido habilitar-se para receber os créditos constituídos antes da instituição do bem de família. 

Outrossim, o terceiro também poderá instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

Assim, o ordenamento legal confere ao terceiro a possibilidade de instituição do bem de família, quer por doação, seja por testamento. 

Saliente-se que o testamento que institui o bem de família não tem forma especial, a legislação exige apenas a obediência às solenidades inerente ao testamento em si. Contudo, para o reconhecimento de sua validade, quando originária de doação, que haja ciência e consentimento expresso dos beneficiários, seja cônjuge ou entidade familiar.

Portanto, a constituição do bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Note-se, que a tutela do bem de família recai no domicílio familiar, é esse a res que a lei quer resguardar. Nessa trilha, vislumbra-se, que o domicílio para o legislador equivale à residência da célula familiar independentemente da forma como esta é composta. “O bem de família constituído é sempre imóvel no qual se agregam os móveis, as pertenças e os acessórios”[3]. Ademais.

Quanto à aplicação da renda que a lei admitiu a constituição de valores mobiliários como bem de família, está vinculada ao bem móvel e ao bem imóvel gravado, que não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição, de tal forma que deverão também, ser devidamente individualizados, no instrumento de instituição do bem de família.

E, por tratar-se de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. Para tanto, o instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito.

Do Notário. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis. “A constituição do bem de família ocorre com o registro imobiliário do título que o instituiu. A publicidade é imprescindível ao registro consoante a Lei nº 6.015/1973, sempre buscando evitar que haja terceiros prejudicados”[4]

O imperativo da publicidade da Lei de Registro retrocitada deve ser feito por meio de edital que tornem públicos a constituição de um bem de família. De modo que, todo aquele que se julgar prejudicado tem trinta dias de prazo para apresentar impugnação por meio de petição ao oficial de Registro de Imóveis. Havendo impugnação, enquanto não decidida, não se efetiva a constituição do instituto pretendido pelo instituidor.

Conforme a doutrina supra, dois momentos da publicidade: a) a publicidade dos editais que é o momento em que se alerta terceiros da possibilidade de instituição do bem de família; b) o registro do título, em que se divulga a criação definitiva do bem de família.    
       
Importante resaltar que o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Imperativo legal visa evitar tentativa de fraude. 

Assevera Maria Berenice que, tendo em vista que as pessoas dispõem de créditos em face do patrimônio de que são titulares. Por exemplo, após concedido um empréstimo a alguém pelo lastro patrimonial que possui, descabido é, posteriormente a instituição do bem de família venha a afastar a garantia do credor.     

No caso de execução emanada de ordem judicial por dívidas, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz. 

O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso da entidade familiar. Não pode ser alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais; quando for o caso, após a oitiva do Ministério Público.

Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público, nos casos ex-lege.

Exceto disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.

Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor. Ainda, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.
De toda sorte, se for o único bem do casal, e dissolvida à sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família. Nesse diapasão, o bem de família extingue-se, também, com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

Da impenhorabilidade do bem de família, nos termos da lei nº 8.009/1990.

É o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar que, assim sendo, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, ressalvados hipóteses previstas na própria lei em testilha. 

A referida norma diz que a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive bens de uso profissional, ou mesmo móveis que guarnecem a moradia. A proteção legislativa para estes, desde que estejam quitados.
Lado outro, a norma retrocitada textualiza que os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos, excluem-se da impenhorabilidade nela preconizada. 

No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado disposições na lei retrocitada.

A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;                 
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.  
                  
Não se beneficiará do disposto legal, aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.

Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, área limitada como pequena propriedade rural; (bem de família rural - artigo 5º, inciso XXVI, da CF).

Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata a lei federal dito alhures, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e seja o domicílio natural. 

O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com animo definitivo.

Em sede jurisprudencial: “bem de família. Lei nº 8.009/90. Art. 70 do Código Civil. Precedentes da Corte. 1. Permanece como bem de família, insuscetível de penhora, o imóvel residencial assim afetado na forma do art. 70 do Código Civil, sendo ínsita a cláusula de isenção na escritura para tal fim. 2. Recurso especial não conhecido” (STF. Acórdão Resp 250.028/RJ (200000210595), RE 376381. 19.9.2000, 3ª Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).  

“O imóvel que serve de residência para a entidade familiar é impenhorável, consoante o estatuído na Lei nº 8.009/90, a qual regulamenta a garantia prevista no art. 226 da Constituição Federal. É desnecessário o registro do bem em Cartório, pois o artigo 1.711 do Código Civil mantém as regras da lei especial. O registro é imprescindível se existirem vários bens imóveis como residência (art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/90). Agravo de petição apresentado pelo autor a fls. 106/112 sustentando que deve ser penhorado o imóvel indicado, pois o conceito de bem de família deve ser relativizado em face da condenação em títulos de natureza alimentar. Contraminuta a fls. 116/124. Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho nos termos do art. 85, § 1º, do Regimento Interno deste E. Regional.” (TRT 02ª R. – Proc. 0001380-42.2015.5.02.0005 – Rel. José Ruffolo – DJe 16.12.2016). 

”1. Existem duas espécies de bem de família: o chamado bem de família voluntário (CC, art. 1.711 e segts) e o bem de família involuntário, esse último instituído pela Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. 2- Nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/90, é impenhorável o imóvel residencial próprio "do casal ou da entidade familiar" na cobrança de dívidas de qualquer natureza, salvo quando caracterizada alguma das hipóteses excepcionais previstas no artigo 3º da mesma lei. 3. (...) 4. (Apelo provido (TJAC, Primeira Câmara Cível, Apelação nº 0707033-42.2013.8.01.0001, Relator: Des. Laudivon Nogueira, acórdão nº 18.189, j. 10.10.2017, unânime)" b) Recurso desprovido. (TJAC – AI 1001584-57.2018.8.01.0000 – (19.608) – 1ª C.Cív. – Relª Desª Eva Evangelista – DJe 19.10.2018 – p. 9).

“APOSTILAMENTO NO REGISTRO DE IMÓVEIS – A instituição do bem de família por ato notarial somente é necessária quando da existência de vários imóveis e, ainda assim, quando se tenciona diferir dentre várias unidades utilizadas como residência aquela que não seja de menor valor. A regra geral é de que o imóvel residencial é impenhorável, como bem de família, independentemente do registro em Cartório. Aplicação da Lei 8.009/90, art. 5º, parágrafo único, art. 1.711 do Código Civil e Súmula nº 22 do TRT da 2ª Região.” (TRT 02ª R. – Proc. 00410002719945020028 – (20160746250) – Rel. Des. Fed. Rafael E. Pugliese Ribeiro – DJe 03.10.2016).

STJ – “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. (Súmula 364, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/10/2008, DJe 03/11/2008)”.

STJ – “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. (Súmula 486, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012).”

STJ – “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. (Súmula 549, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015).”

Considerações finais. Existem duas espécies de bem de família: o chamado bem de família voluntário (artigo 1.711 e segts do CC) e o bem de família involuntário, esse último instituído pela Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, que regulamenta a garantia prevista no artigo 226 da Constituição Federal. Por conseguinte, o bem de família voluntário não pode ser confundido com o bem de família legal que é regulamentado por esta Lei e, àquele, pelo Código Civil, portanto.

Quanto à inalienabilidade, em comento, é a limitação imposta sobre o poder de disposição atribuído ao titular. Assim sendo, caso o bem for gravado com a referida cláusula, o proprietário poderá usar, gozar e reaver a coisa de quem quer que a possua injustamente (artigo 1.228 do CC). Igualmente, não poderá alienar o bem para transferir a propriedade por ato intervivo. 

Nesse sentido, a referida inalienabilidade imposta ao possuidor não o equipara à condição de usufrutuário - convém lembrar. O usufrutuário somente tem o direito ao uso e ao gozo sobre a coisa e, com a sua morte, o bem consolida aqueles direitos no nu-proprietário. Enquanto que a inalienabilidade possibilita a transferência do bem gravado aos herdeiros do proprietário com a sua morte. Por fim, a inalienabilidade somente impossibilita a transmissão patrimonial por ato intervivos. Com o falecimento do titular gravado na res, a coisa onerada se transfere aos seus herdeiros ou legatários de forma livre e desembaraçada. Pode-se dizer que a inalienabilidade pode se revestir do caráter vitalício, mas não da perpetuidade. 

As cláusulas restritivas somente se estabelecem por uma geração, em se tratando de nomeação simples de herdeiro ou legatário. Agora, firma Sílvio de Salvo Venosa[5] que, se o prédio gravado deixar de servir como domicílio da família, haverá a extinção do benefício, por requerimento de qualquer interessado. Diz ainda este autor que, por morte de um dos cônjuges o bem não irá a inventário, mas se o cônjuge sobrevivente dele se mudar e não ficar residindo algum filho menor, a cláusula será eliminado e o imóvel partilhado.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE MATERIAL DE PESQUISA: 
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família: Editora: Revista dos Tribunais, 2002
CESAR FIUZA. Curso Completo de Direito Civil 12ªed. Editora Del Rey, 2008.
COSTA Machado e outros. Código Civil Interpretado: 9ª ed. Editora Manole, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado 9ª ed., Editora Sarava, 2003.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2010.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A Impenhorabilidade do Bem de Família:  Editora Revista dos Tribunais, 2002.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. VI - 5ª edição: Editora Atlas, 2005.
Vade Mecum RIDEEL Acadêmico de Direito 27ª Ed., Organização: Anne Joyce Angher. 2018.
http://www4.planalto.gov.br/legislacao...
http://www.stj.jus.br/sites/STJ
http://www.stf.jus.br/jurisprudenciaSumula...
http://www.tst.jus.br/
Secretaria de Comunicação Social (SECOM)


[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. VI - 5ª edição: Editora Atlas, 2005.
[2] COSTA MACHADO. Código Civil Interpretado 9º edição, Editora Manole, 2016.

[3] Costa Machado, Idem: Ob.Cit.
[4] Idem: Ob.Cit. p.509.

[5]  Idem: Ob. Cit., p. 436.

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