O Estado assegura proteção especial à família. Nos
termos da Constitucional Federal, o direito à moradia, é preceito de cunho
social, à casa, é asilo inviolável do indivíduo.
“O bem de família constitui-se em uma porção de
bens que a lei resguarda com os característicos de inalienabilidade e
impenhorabilidade, em benefício da constituição e permanência de uma moradia
para o corpo familiar.”[1]
(VENOSA, Sílvio de Salvo, 2005:421).
Nessa toada, vale dizer que existem duas espécies
de bem de família: a) voluntário –
decorrente da vontade dos interessados, de seu proprietário ou terceiro, com
imperativo, ao atendimento de uma série de requisitos, esteio no estatuto
civil; b) legal – este não
depende da manifestação do instituidor e não está condicionado a qualquer
formalidade. Configura-se pelo simples fato de o devedor residir em um imóvel,
dessa forma, por força de lei, o torna impenhorável.
Nesse ínterim, anote-se, que instituído o bem de
família, instituição formal e solene por meio de escritura pública, deixa o
imóvel de responder pelas dívidas do devedor, exceto as que provierem de
impostos e taxa condominial, relativos ao mesmo imóvel. Anotando que a lei
requer a solvência do instituidor no momento da instituição, com escopo de
evitar, com efeito, o prejuízo de terceiros. Ademais, a res gravada fica livre de dívidas futura, conquanto, não dispondo a
impenhorabilidade de efeito retroativo.
Vê-se, na órbita de efetividade ao preceito
constitucional, que podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante
escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para
instituir bem de família que, nos termos da lei, não deve ultrapassar um terço
do patrimônio líquido existente na ocasião da instituição, tanto da entidade
familiar como do cônjuge instituidor.
Nesse conduto, o ordenamento jurídico possibilita
que na transmissão de bens e direitos sejam impostas pelo disponente limitações
à propriedade do adquirente. Numa moldura fática, denota-se essa situação nas
disposições gratuitas, ou seja, nas doações e nas disposições testamentárias.
Sobre mais, o bem familiar constituído é sempre imóvel no qual se agregam os
móveis, as pertenças e os acessórios.
Segundo Costa
Machado[2] a
expressão entidade familiar é de concepção ampla. Logo, não comportando
restrição, muito menos ser encerrada em número taxativo, contemplando,
inclusive, a moradia de um único indivíduo. Diz ainda, esse Autor
que a constituição do bem de família por testamento apresenta risco, vez que,
esse instrumento legal caracteriza-se por ser um negócio jurídico causa mortes
cujos efeitos só operam após a abertura sucessória, decorrente do passamento do
instituidor, ensejando aos credores do falecido habilitar-se para receber os
créditos constituídos antes da instituição do bem de família.
Outrossim, o terceiro também poderá instituir bem
de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação
expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Assim, o ordenamento legal confere ao terceiro a
possibilidade de instituição do bem de família, quer por doação, seja por
testamento.
Saliente-se que o testamento que institui o bem
de família não tem forma especial, a legislação exige apenas a obediência às solenidades
inerente ao testamento em si. Contudo, para o reconhecimento de sua validade,
quando originária de doação, que haja ciência e consentimento expresso dos
beneficiários, seja cônjuge ou entidade familiar.
Portanto, a constituição do bem de família consistirá
em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios,
destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores
mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da
família.
Note-se, que a tutela do bem de família recai no
domicílio familiar, é esse a res que
a lei quer resguardar. Nessa trilha, vislumbra-se, que o domicílio para o
legislador equivale à residência da célula familiar independentemente da forma
como esta é composta. “O bem de família constituído é sempre imóvel no qual se
agregam os móveis, as pertenças e os acessórios”[3].
Ademais.
Quanto à aplicação da renda que a lei admitiu a
constituição de valores mobiliários como bem de família, está vinculada ao bem
móvel e ao bem imóvel gravado, que não poderão exceder o valor do prédio
instituído em bem de família, à época de sua instituição, de tal forma que
deverão também, ser devidamente individualizados, no instrumento de instituição
do bem de família.
E, por tratar-se de títulos nominativos, a sua
instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de
registro. Para tanto, o instituidor poderá determinar que a administração dos
valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar
a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a
responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de
depósito.
Do Notário. O bem de família, quer instituído
pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no
Registro de Imóveis. “A constituição do bem de família ocorre com o registro
imobiliário do título que o instituiu. A publicidade é imprescindível ao
registro consoante a Lei nº 6.015/1973, sempre buscando evitar que haja
terceiros prejudicados”[4].
O imperativo da publicidade da Lei de Registro
retrocitada deve ser feito por meio de edital que tornem públicos a
constituição de um bem de família. De modo que, todo aquele que se julgar
prejudicado tem trinta dias de prazo para apresentar impugnação por meio de
petição ao oficial de Registro de Imóveis. Havendo impugnação, enquanto não
decidida, não se efetiva a constituição do instituto pretendido pelo
instituidor.
Conforme a doutrina supra, dois momentos da
publicidade: a) a publicidade dos editais que é o momento em que se alerta
terceiros da possibilidade de instituição do bem de família; b)
o registro do título, em que se divulga a criação definitiva do bem de família.
Importante resaltar que o bem de família é isento
de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem
de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Imperativo legal
visa evitar tentativa de fraude.
Assevera Maria Berenice que, tendo em vista que as
pessoas dispõem de créditos em face do patrimônio de que são titulares. Por
exemplo, após concedido um empréstimo a alguém pelo lastro patrimonial que
possui, descabido é, posteriormente a instituição do bem de família venha a
afastar a garantia do credor.
No caso de execução emanada de ordem judicial por
dívidas, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família,
ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos
relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.
O prédio e os valores mobiliários, constituídos
como bem da família, não podem ter destino diverso da entidade familiar. Não
pode ser alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes
legais; quando for o caso, após a oitiva do Ministério Público.
Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem
de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento
dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o
constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público, nos casos ex-lege.
Exceto disposição em contrário do ato de
instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges,
resolvendo o juiz em caso de divergência.
Com o falecimento de ambos os cônjuges, a
administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu
tutor. Ainda, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.
De toda sorte, se for o único bem do casal, e dissolvida
à sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir
a extinção do bem de família. Nesse diapasão, o bem de família extingue-se,
também, com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que
não sujeitos a curatela.
Da
impenhorabilidade do bem de família, nos termos da lei nº 8.009/1990.
É o imóvel residencial próprio
do casal, ou da entidade familiar que, assim sendo, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, ressalvados hipóteses previstas na própria
lei em testilha.
A referida norma diz que a
impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as
plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos,
inclusive bens de uso profissional, ou mesmo móveis que guarnecem a moradia. A
proteção legislativa para estes, desde que estejam quitados.
Lado outro, a norma retrocitada textualiza que os
veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos, excluem-se da
impenhorabilidade nela preconizada.
No caso de imóvel locado, a
impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência
e que sejam de propriedade do locatário, observado disposições na lei retrocitada.
A impenhorabilidade é oponível
em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou
de outra natureza, salvo se movido:
II - pelo
titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição
do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os
direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união
estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela
dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca
sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade
familiar;
VI - por ter sido adquirido
com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
Não se beneficiará do disposto legal,
aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para
transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
Neste caso, poderá o juiz,
na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia
familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para
execução ou concurso, conforme a hipótese.
Quando a residência familiar
constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de
moradia, com os respectivos bens móveis, e, área limitada como pequena
propriedade rural; (bem de família rural - artigo 5º, inciso XXVI, da CF).
Para os efeitos de
impenhorabilidade, de que trata a lei federal dito alhures, considera-se residência um único imóvel
utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Na hipótese de o casal, ou
entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência,
a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido
registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e seja o domicílio natural.
O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela
estabelece a sua residência com animo definitivo.
Em sede jurisprudencial: “bem de família. Lei nº 8.009/90. Art. 70 do Código
Civil. Precedentes da Corte. 1. Permanece como bem de família, insuscetível de
penhora, o imóvel residencial assim afetado na forma do art. 70 do Código
Civil, sendo ínsita a cláusula de isenção na escritura para tal fim. 2. Recurso
especial não conhecido” (STF. Acórdão
Resp 250.028/RJ (200000210595), RE 376381. 19.9.2000, 3ª Turma – Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito).
“O
imóvel que serve de residência para a entidade familiar é impenhorável,
consoante o estatuído na Lei nº 8.009/90, a qual regulamenta a garantia
prevista no art. 226 da Constituição Federal. É desnecessário o registro do bem
em Cartório, pois o artigo 1.711 do Código Civil mantém as regras da lei
especial. O registro é imprescindível se existirem vários bens imóveis como
residência (art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/90). Agravo de petição
apresentado pelo autor a fls. 106/112 sustentando que deve ser penhorado o
imóvel indicado, pois o conceito de bem de família deve ser relativizado em face
da condenação em títulos de natureza alimentar. Contraminuta a fls. 116/124.
Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho nos termos
do art. 85, § 1º, do Regimento Interno deste E. Regional.” (TRT 02ª R. – Proc. 0001380-42.2015.5.02.0005
– Rel. José Ruffolo – DJe 16.12.2016).
”1.
Existem duas espécies de bem de família: o chamado bem de família voluntário
(CC, art. 1.711 e segts) e o bem de família involuntário, esse último
instituído pela Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. 2- Nos termos do art. 1º
da Lei nº 8.009/90, é impenhorável o imóvel residencial próprio "do casal
ou da entidade familiar" na cobrança de dívidas de qualquer natureza,
salvo quando caracterizada alguma das hipóteses excepcionais previstas no
artigo 3º da mesma lei. 3. (...) 4. (Apelo provido (TJAC, Primeira Câmara Cível, Apelação nº 0707033-42.2013.8.01.0001,
Relator: Des. Laudivon Nogueira, acórdão nº 18.189, j. 10.10.2017,
unânime)" b) Recurso desprovido. (TJAC – AI 1001584-57.2018.8.01.0000 –
(19.608) – 1ª C.Cív. – Relª Desª Eva Evangelista – DJe 19.10.2018 – p. 9).
“APOSTILAMENTO
NO REGISTRO DE IMÓVEIS – A instituição do bem de família por ato notarial
somente é necessária quando da existência de vários imóveis e, ainda assim,
quando se tenciona diferir dentre várias unidades utilizadas como residência
aquela que não seja de menor valor. A regra geral é de que o imóvel residencial
é impenhorável, como bem de família, independentemente do registro em Cartório.
Aplicação da Lei 8.009/90, art. 5º, parágrafo único, art. 1.711 do Código Civil
e Súmula nº 22 do TRT da 2ª Região.” (TRT
02ª R. – Proc. 00410002719945020028 – (20160746250) – Rel. Des. Fed. Rafael E.
Pugliese Ribeiro – DJe 03.10.2016).
STJ
– “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel
pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. (Súmula 364, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/10/2008, DJe 03/11/2008)”.
STJ
– “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a
terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a
subsistência ou a moradia da sua família. (Súmula
486, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe
01/08/2012).”
STJ
– “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de
locação. (Súmula 549, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015).”
Considerações finais. Existem duas espécies de
bem de família: o chamado bem de família voluntário (artigo 1.711 e segts do CC)
e o bem de família involuntário, esse último instituído pela Lei nº 8.009, de
29 de março de 1990, que regulamenta a garantia prevista no artigo 226 da
Constituição Federal. Por conseguinte, o bem de família voluntário não pode ser
confundido com o bem de família legal que é regulamentado por esta Lei e,
àquele, pelo Código Civil, portanto.
Quanto à inalienabilidade, em comento, é a
limitação imposta sobre o poder de disposição atribuído ao titular. Assim
sendo, caso o bem for gravado com a referida cláusula, o proprietário poderá
usar, gozar e reaver a coisa de quem quer que a possua injustamente (artigo 1.228
do CC). Igualmente, não poderá alienar o bem para transferir a propriedade por
ato intervivo.
Nesse sentido, a referida inalienabilidade
imposta ao possuidor não o equipara à condição de usufrutuário - convém
lembrar. O usufrutuário somente tem o direito ao uso e ao gozo sobre a coisa e,
com a sua morte, o bem consolida aqueles direitos no nu-proprietário. Enquanto
que a inalienabilidade possibilita a transferência do bem gravado aos herdeiros
do proprietário com a sua morte. Por fim, a inalienabilidade somente
impossibilita a transmissão patrimonial por ato intervivos. Com o falecimento do
titular gravado na res, a coisa
onerada se transfere aos seus herdeiros ou legatários de forma livre e
desembaraçada. Pode-se dizer que a inalienabilidade pode se revestir do caráter
vitalício, mas não da perpetuidade.
As cláusulas restritivas somente se estabelecem
por uma geração, em se tratando de nomeação simples de herdeiro ou legatário.
Agora, firma Sílvio de Salvo Venosa[5]
que, se o prédio gravado deixar de servir como domicílio da família, haverá a
extinção do benefício, por requerimento de qualquer interessado. Diz ainda este
autor que, por morte de um dos cônjuges o bem não irá a inventário, mas se o
cônjuge sobrevivente dele se mudar e não ficar residindo algum filho menor, a
cláusula será eliminado e o imóvel partilhado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE MATERIAL DE PESQUISA:
AZEVEDO,
Álvaro Villaça. Bem de Família: Editora: Revista dos Tribunais, 2002
CESAR FIUZA. Curso
Completo de Direito Civil 12ªed. Editora Del Rey, 2008.
COSTA Machado e
outros. Código Civil Interpretado: 9ª ed. Editora Manole, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado 9ª ed., Editora
Sarava, 2003.
DIAS, Maria
Berenice. Manual de Direito de Família, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais,
2010.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em
Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
VASCONCELOS, Rita
de Cássia Corrêa de. A Impenhorabilidade do Bem de Família: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
VENOSA, Sílvio de
Salvo. Direito Civil. Vol. VI - 5ª edição: Editora Atlas, 2005.
Vade
Mecum RIDEEL Acadêmico de Direito 27ª Ed.,
Organização: Anne Joyce Angher. 2018.
http://www4.planalto.gov.br/legislacao...
http://www.stj.jus.br/sites/STJ
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