domingo, 24 de fevereiro de 2019

Desconsideração da pessoa jurídica, Julgado decide que sócio retirante é parte ilegítima para responder por obrigação contraída após sua saída da empresa


A priori, a pessoa jurídica de direito privado possuem interesses e objetivos, que são instituídas por particulares e adquire personalidade, iniciando-se sua existência legal com a inscrição de seus atos constitutivos no respectivo registro, escopo com necessária autorização ou aprovação do Poder Estatal, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

No mais, as pessoas jurídicas poderão constituir-se, ou como grupo de pessoas, caso das associações e sociedades, ou como massa de bens, situações das fundações; sendo o que as diferenciam, entre outras coisas, é a finalidade para qual seja constituída; e, em regra, a gestão da sociedade será realizada pelo administrador indicado no ato constitutivo. Embora, possa ocorrer que a administração seja coletiva, caso em que as decisões serão tomadas pela maioria, se não houver previsto no estatuto em contrário, naquele ato.   

Data venia, assina-lo que a elementar caracterizadora da empresa é a declaração da atividade-fim, tal como, a prática de atos empresarias. Assim, de acordo com o ordenamento jurídico que vigora, considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. 

Nesse particular, conforme a doutrina moderna o Código Civil trouxe no campo do direito das obrigações, interessantes inovações que possibilitam equacionar antigos problemas que a doutrina e jurisprudência enfrentam, destacando-se a questão da responsabilidade.

Imagino, tal solução tem relevo, mas mais relevante que isso é explicitar a fonte de justificação racional, lógica e sistemática, pela qual as soluções são construídas. 

Nos termos do provimento ao recurso especial de um ex-sócio de uma empresa, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça assinala que o sócio retirante é parte ilegítima para responder por obrigação contraída após sua saída da sociedade empresaria. 

Conforme o julgado em referência, o ex-sócio não é responsável por obrigação contraída em período posterior à averbação da alteração contratual que registrou a cessão de suas cotas.

No caso em tela, o demandante manejou exceção de pré-executividade após ter bens bloqueados em ação de cobrança de aluguéis movida pelo locador contra uma empresa, da qual era sócio até o mês de junho do ano de 2004. Sendo que tais valores cobrados se referiam a aluguéis relativos ao período de dezembro de 2005 a agosto de 2006.

No ano de dois e treze, o juízo da execução deferiu pedido de desconsideração da personalidade jurídica da executada, por suposta dissolução irregular da sociedade, para que fosse possibilitada a constrição de bens dos sócios, entre os quais o requerente em testilha. O suplicante alegou sua ilegitimidade passiva, pois a dívida se referia a período posterior à sua saída do quadro societário da empresa, demanda em juízo.

De outra face, o Tribunal de Justiça estadual entendeu que durante dois anos, contados da saída do o ex-sócio, ele responderia pelas obrigações contraídas pela empresa devedora. Lapso que, abstraimento do feito diria até junho de 2006, quando completados dois anos de sua saída. 

Desta feita, no recurso especial para a Corte Superior de Justiça, o ex-sócio alegou que o redirecionamento da execução para atingir bens de sua propriedade seria equivocado, assim como a consequente penhora on-line realizada em suas contas bancárias, não podendo ele ser responsabilizado por fatos para os quais não contribuiu.

Para o Relator do recurso a responsabilidade do ex-sócio é restrita, em vista que a solução da questão passa pela interpretação dos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 do Código Civil de 2002:

A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade (Art. 1003).
Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. (Parágrafo único, do artigo 1.003/CC).
A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. (Art. 1.032).
Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. (Art. 1.057).
A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. (Parágrafo único, do artigo 1.057/CC).

“A interpretação dos dispositivos legais transcritos conduz à conclusão de que, na hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”, disse o ministro Villas Bôas Cueva.

Segundo o relator, o entendimento das instâncias ordinárias violou a legislação civil ao também responsabilizar o sócio cedente pela dívida executada.

Dessa forma, o ministro acolheu a exceção de pré-executividade e excluiu o ex-sócio do polo passivo, uma vez que “as obrigações que são objeto do processo de execução se referem a momento posterior à retirada do recorrente da sociedade, com a devida averbação, motivo pelo qual ele é parte ilegítima para responder por tal débito”. (REsp 1537521).

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUTADA. SOCIEDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE. EX-SÓCIO. CESSÃO. QUOTAS SOCIAIS. AVERBAÇÃO. REALIZADA. OBRIGAÇÕES COBRADAS. PERÍODO. POSTERIOR À CESSÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO EX-SÓCIO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A controvérsia a ser dirimida reside em verificar se o ex-sócio que se retirou de sociedade limitada, mediante cessão de suas quotas, é responsável por obrigação contraída pela empresa em período posterior à averbação da respectiva alteração contratual.
3. Na hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até 2 (dois) anos após a averbação da respectiva modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade. Inteligência dos arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 e 1.057, parágrafo único, do Código Civil de 2002.
3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp 1537521(2015/0062165-9 - 09/06/2015). Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. DJE Eletrônico: 11/02/201919).
 
Para contemplar a discussão a cerca do tema, trazemos à baila julgados recentes que emanam de nossos tribunais. Vejamos:

“A inclusão de sócio, mesmo quando minoritário, no polo passivo da execução decorre dos efeitos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que responsabiliza os proprietários do empreendimento pelos créditos do empregado, na hipótese de não serem encontrados bens de propriedade da empresa que garantam a execução do julgado (art. 50 do Código Civil, e § 1º do art. 596 do CPC (Art. 795, CPC/2015).” (TRT 12ª R. – AP 03371-2003-004-12-00-4 – (03528/2007) – Rel. Juiz Amarildo Carlos de Lima – DJU 05.03.2007).

“Não aceitação de bem indicado à penhora porque desatualizada a prova de propriedade. Impossibilidade. Inteligência do art. 656 § único do Código de Processo Civil (Art. 848, CPC/2015). Desconsideração da pessoa jurídica (art. 50 c/civil). 1. No incidente de nomeação de bens à penhora inadmite-se a rejeição de imóvel apresentado à constrição sob o argumento de que está desatualizada a certidão que acompanhou a indicação, porque a prova de propriedade desse bem pode ser feita após a sua aceitação pelo credor (art. 656 § único do CPC). 2. A desconsideração da pessoa jurídica para alcançar bens dos sócios da empresa executada deve atender aos princípios e regras contidos no art. 50 do Código Civil. 3. Recurso provido.” (TJDF – AGI 20060020064614 – 1ª T .Cív. – Rel. Des. Antoninho Lopes – DJU 01.02.2007 – p. 171).

“O proprietário dos bens penhorados deixou a sociedade há mais de dois anos da data em que ocorreu a constrição, conforme se constata da alteração do contrato social da empresa e da data consignada no auto de penhora e avaliação, restando extrapolado, portanto, o prazo previsto no artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil, sendo forçosa a sua exclusão da lide com a conseqüente liberação dos bens indevidamente constritos.” (TRT 2ª R. – AP 00430-2006-017-02-00 – (20070107054) – 12ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Delvio Buffulin – DOESP 09.03.2007).

Dito isso, para arrematar, chega-se a considerações finais cuja exegese reclama que, somente em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o magistrado pronunciar, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A despeito, quando falta referência normativa expressa, na interpretação das normas relativas à empresa deve-se levar em consideração o princípio da função social, diz enunciados 53 do CEJ.

De toda sorte, a desconsideração da personalidade é de interesse público, vez que sua caracterização fere a boa-fé que deve reger as relações jurídicas e desvirtua os fins sociais das empresas, lembrando que a fraude deve estar ligada a alguma forma de ilícito. Com efeito, a Lei restringe a desconsideração da personalidade jurídica às hipóteses em que se vislumbra o abuso por parte dos administradores, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, de modo a ocasionar a malversação das verbas societárias e o prejuízo a terceiros em proveito próprio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE MATERIAL DE PESQUISA:
COELHO, Fá b i o Ulhoa. Manual de Direito Comercial Direito de Empresa - 28ª Edição Editora Revista Dos Tribunais, 2016.
COSTA Machado e outros. Código Civil Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado 9ª ed., Editora Sarava, 2003.
FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica 5ª edição, Editora Forense Universitária, 2002.
JUNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito Comercial, 3ª Ed. Atlas, 2002.
JUNIOR, Darcy Arruda Miranda. Das Obrigações Civis na Jurisprudência: LEUD, 1987.
GOMES, Orlando. CONTRATOS 18ª edição - Atualizador: Humberto Theodoro Junior, Editora Forense, 1999.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas – São Paulo Editora Saraiva, 1953.
NAHAS, Thereza. Desconsideração da Pessoa Jurídica 2ª edição Elsevier Editora, 2007.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
VADE Mecum RIDEEL Acadêmico de Direito 27ª Ed., Organização: Anne Joyce Angher. 2018.
http://www4.planalto.gov.br/legislacao...
http://www.stj.jus.br/sites/STJ Notícias.

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