A priori, a pessoa jurídica de direito privado
possuem interesses e objetivos, que são instituídas por particulares e adquire
personalidade, iniciando-se sua existência legal com a inscrição de seus atos
constitutivos no respectivo registro, escopo com necessária autorização ou
aprovação do Poder Estatal, averbando-se no registro todas as alterações por
que passar o ato constitutivo.
No mais, as pessoas jurídicas poderão constituir-se,
ou como grupo de pessoas, caso das associações e sociedades, ou como massa de
bens, situações das fundações; sendo o que as diferenciam, entre outras coisas,
é a finalidade para qual seja constituída; e, em regra, a gestão da sociedade
será realizada pelo administrador indicado no ato constitutivo. Embora, possa ocorrer
que a administração seja coletiva, caso em que as decisões serão tomadas pela
maioria, se não houver previsto no estatuto em contrário, naquele ato.
Data venia, assina-lo
que a elementar caracterizadora da empresa é a declaração da atividade-fim, tal
como, a prática de atos empresarias. Assim, de acordo com o ordenamento
jurídico que vigora, considera-se empresário quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços.
Nesse particular, conforme a doutrina moderna o
Código Civil trouxe no campo do direito das obrigações, interessantes inovações
que possibilitam equacionar antigos problemas que a doutrina e jurisprudência enfrentam,
destacando-se a questão da responsabilidade.
Imagino,
tal solução tem relevo, mas mais relevante que isso é explicitar a fonte de
justificação racional, lógica e sistemática, pela qual as soluções são
construídas.
Nos termos
do provimento ao recurso especial de um ex-sócio de uma empresa, a Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça assinala que o sócio retirante é parte ilegítima para responder por obrigação
contraída após sua saída da sociedade empresaria.
Conforme o
julgado em referência, o ex-sócio não é responsável por obrigação contraída em
período posterior à averbação da alteração contratual que registrou a cessão de
suas cotas.
No caso
em tela, o demandante manejou exceção de pré-executividade após ter bens
bloqueados em ação de cobrança de aluguéis movida pelo locador contra uma
empresa, da qual era sócio até o mês de junho do ano de 2004. Sendo que tais valores
cobrados se referiam a aluguéis relativos ao período de dezembro de 2005 a
agosto de 2006.
No ano de
dois e treze, o juízo da execução deferiu pedido de desconsideração da
personalidade jurídica da executada, por suposta dissolução irregular da
sociedade, para que fosse possibilitada a constrição de bens dos sócios, entre
os quais o requerente em testilha. O suplicante alegou sua ilegitimidade
passiva, pois a dívida se referia a período posterior à sua saída do quadro societário
da empresa, demanda em juízo.
De outra
face, o Tribunal de Justiça estadual entendeu que durante dois anos, contados
da saída do o ex-sócio, ele responderia pelas obrigações contraídas pela
empresa devedora. Lapso que, abstraimento do feito diria até junho de 2006,
quando completados dois anos de sua saída.
Desta feita,
no recurso especial para a Corte Superior de Justiça, o ex-sócio alegou que o
redirecionamento da execução para atingir bens de sua propriedade seria
equivocado, assim como a consequente penhora on-line realizada em suas
contas bancárias, não podendo ele ser responsabilizado por fatos para os quais
não contribuiu.
Para o Relator do recurso a responsabilidade do ex-sócio
é restrita, em vista
que a solução da questão passa pela interpretação dos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 do
Código Civil de 2002:
A cessão total ou parcial de
quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento
dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade (Art. 1003).
Até dois anos depois de averbada
a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário,
perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. (Parágrafo único, do artigo 1.003/CC).
A retirada, exclusão ou morte do
sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações
sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem
nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se
requerer a averbação. (Art. 1.032).
Na omissão do contrato, o sócio
pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio,
independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver
oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. (Art. 1.057).
A cessão terá eficácia quanto à
sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003,
a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios
anuentes. (Parágrafo
único, do artigo 1.057/CC).
“A
interpretação dos dispositivos legais transcritos conduz à conclusão de que, na
hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo
de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às
obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade
de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”, disse o ministro Villas
Bôas Cueva.
Segundo o
relator, o entendimento das instâncias ordinárias violou a legislação civil ao
também responsabilizar o sócio cedente pela dívida executada.
Dessa
forma, o ministro acolheu a exceção de pré-executividade e excluiu o ex-sócio
do polo passivo, uma vez que “as
obrigações que são objeto do processo de execução se referem a momento
posterior à retirada do recorrente da sociedade, com a devida averbação, motivo
pelo qual ele é parte ilegítima para responder por tal débito”. (REsp 1537521).
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO
DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUTADA. SOCIEDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE.
EX-SÓCIO. CESSÃO. QUOTAS SOCIAIS. AVERBAÇÃO. REALIZADA. OBRIGAÇÕES COBRADAS.
PERÍODO. POSTERIOR À CESSÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO EX-SÓCIO.
1. Recurso
especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo
Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A
controvérsia a ser dirimida reside em verificar se o ex-sócio que se retirou de
sociedade limitada, mediante cessão de suas quotas, é responsável por obrigação
contraída pela empresa em período posterior à averbação da respectiva alteração
contratual.
3. Na
hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo
de até 2 (dois) anos após a averbação da respectiva modificação contratual restringe-se
às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a
qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade. Inteligência
dos arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 e 1.057, parágrafo único, do Código
Civil de 2002.
3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp 1537521(2015/0062165-9 - 09/06/2015).
Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva. DJE Eletrônico: 11/02/201919).
Para contemplar a discussão a
cerca do tema, trazemos à baila julgados recentes que emanam de nossos tribunais. Vejamos:
“A inclusão de sócio, mesmo
quando minoritário, no polo passivo da execução decorre dos efeitos da teoria
da desconsideração da personalidade jurídica, que responsabiliza os
proprietários do empreendimento pelos créditos do empregado, na hipótese de não
serem encontrados bens de propriedade da empresa que garantam a execução do
julgado (art. 50 do Código Civil, e § 1º do art. 596 do CPC (Art. 795, CPC/2015).” (TRT
12ª R. – AP 03371-2003-004-12-00-4 – (03528/2007) – Rel. Juiz Amarildo Carlos
de Lima – DJU 05.03.2007).
“Não aceitação de bem indicado à
penhora porque desatualizada a prova de propriedade. Impossibilidade.
Inteligência do art. 656 § único do Código de Processo Civil (Art. 848, CPC/2015). Desconsideração da
pessoa jurídica (art. 50 c/civil). 1. No incidente de nomeação de bens à penhora
inadmite-se a rejeição de imóvel apresentado à constrição sob o argumento de
que está desatualizada a certidão que acompanhou a indicação, porque a prova de
propriedade desse bem pode ser feita após a sua aceitação pelo credor (art. 656
§ único do CPC). 2. A desconsideração da pessoa jurídica para alcançar bens dos
sócios da empresa executada deve atender aos princípios e regras contidos no
art. 50 do Código Civil. 3. Recurso provido.” (TJDF – AGI 20060020064614 – 1ª T .Cív.
– Rel. Des. Antoninho Lopes – DJU 01.02.2007 – p. 171).
“O proprietário dos bens
penhorados deixou a sociedade há mais de dois anos da data em que ocorreu a
constrição, conforme se constata da alteração do contrato social da empresa e
da data consignada no auto de penhora e avaliação, restando extrapolado,
portanto, o prazo previsto no artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil,
sendo forçosa a sua exclusão da lide com a conseqüente liberação dos bens
indevidamente constritos.” (TRT 2ª R. – AP 00430-2006-017-02-00 –
(20070107054) – 12ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Delvio Buffulin – DOESP 09.03.2007).
Dito isso, para arrematar, chega-se a considerações
finais cuja exegese reclama que, somente em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o magistrado pronunciar, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A
despeito, quando falta referência normativa expressa, na interpretação das normas
relativas à empresa deve-se levar em consideração o princípio da função social,
diz enunciados 53 do CEJ.
De toda sorte, a desconsideração da personalidade é
de interesse público, vez que sua caracterização fere a boa-fé que deve reger
as relações jurídicas e desvirtua os fins sociais das empresas, lembrando que a
fraude deve estar ligada a alguma forma de ilícito. Com efeito, a Lei restringe
a desconsideração da personalidade jurídica às hipóteses em que se vislumbra o
abuso por parte dos administradores, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, de modo a ocasionar a malversação das verbas
societárias e o prejuízo a terceiros em proveito próprio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE
MATERIAL DE PESQUISA:
COELHO, Fá b i o Ulhoa. Manual de
Direito Comercial Direito de Empresa - 28ª Edição Editora Revista Dos
Tribunais, 2016.
COSTA Machado e outros. Código Civil
Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil
Anotado 9ª ed., Editora Sarava, 2003.
FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, Norma,
Interpretação e Hermenêutica Jurídica 5ª edição, Editora Forense Universitária,
2002.
JUNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito
Comercial, 3ª Ed. Atlas, 2002.
JUNIOR, Darcy Arruda Miranda. Das
Obrigações Civis na Jurisprudência: LEUD, 1987.
GOMES, Orlando. CONTRATOS 18ª edição -
Atualizador: Humberto Theodoro Junior, Editora Forense, 1999.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de
Direito Civil – Direito das Coisas – São Paulo Editora Saraiva, 1953.
NAHAS,
Thereza. Desconsideração da Pessoa Jurídica 2ª edição
Elsevier Editora, 2007.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil
e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
VADE Mecum RIDEEL Acadêmico de Direito
27ª Ed., Organização: Anne Joyce Angher. 2018.
http://www4.planalto.gov.br/legislacao...
http://www.stj.jus.br/sites/STJ Notícias.
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