sábado, 22 de dezembro de 2018

Falta de citação dos confinantes gera nulidade absoluta em processo de usucapião?


De chofre, o direito de usucapir imóvel urbano com metragem igual ou inferior a duzentos e cinquenta metros tem fulcro no artigo 183 da Carta Federal e no artigo 1.240 do Código Civil.
A “usucapião extraordinária” encontra arrimo nos artigos 1.238 a 1.244 do Estatuto civil, sendo que o dispositivo 1.242 trata especificamente da “usucapião ordinário”, situação de aquisição da propriedade imóvel por pessoas, com justo título e boa fé, que mantém a posse mansa, pacífica e ininterrupta de um imóvel pelo prazo de dez anos. Em termos, conforme a vontade do legislador pátrio, referido prazo pode ser reduzido para cinco anos.
Por sua vez, a Lei nº 6.969/1981 que dispõe sobre a aquisição por usucapião especial de imóveis rurais, preconiza: “aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no registro de imóveis.”. A Carta Maior no artigo 191 aumentou a área acima para 50 hectares. Constituição Federal/1988:
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Doravante, nos termos do Código Processual:
Art. 238.  Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.
Pela letra deste imperativo fica claro que a citação é ato de chamamento de maneira estrita, mas também ato através do qual se dá conhecimento ao sujeito passivo da relação processual, ou interessados seriam chamados a apresentarem defesa em razão de processo judicial em curso.
Segundo PEDRO DA SILVA DINAMARCO, o interessado é o nome utilizado pela lei de procedimentos para designar os sujeitos dos processos, inclusive os litisconsortes necessários. (MARCATO, Código de Processo Civil Interpretado, 2008:569).
Para ANDRÉ DE LUIZI CORREIA, o conceito de citação que se pode extrair da literalidade do texto legal é muito mais amplo, “o vocábulo citação deriva do latim citum, do verbo ciere, que significa produzir movimento, chamar, incitar, excitar.”. (CORREIA, 2001:31).
Abrindo espaço, para recordar, que o Código se filiou à teoria de LIEBERMAN, segundo a qual, em regra, uma sentença de mérito prescinde dos requisitos, possibilidade jurídica, o interesse de agir e a legitimidade. Nessa órbita, a citação é pressuposto de existência do processo em relação ao réu; de outra parte, é pressuposto de validade da relação processual. 
No caso em tela, a ausência de citação dos confinantes (vizinhos) e seus cônjuges, no processo de usucapião, não deram causa de nulidade absoluta do feito. Foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça que deu provimento a um recurso para afastar a nulidade declarada de ofício por um Tribunal de Segundo Grau que ao analisar apelação contra sentença que reconheceu a usucapião de um imóvel rural no interior do estado, origem da demanda.
Conforme o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, apesar de ser recomendada a citação dos vizinhos, sua falta gera apenas nulidade relativa, quando se comprova prejuízo sofrido por algum desses vizinhos quanto aos limites territoriais do imóvel que sofreu usucapião.
No caso em tela assentou o Ministro relator: “Tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá malgrado o defeito atinente à primeira”.
O julgado destacou o importante papel dos confinantes, tendo em vista, que dependendo da situação, eles terão que defender os limites de sua propriedade, e ao mesmo tempo podem fornecer subsídios ao juiz para decidir acerca do processo de usucapião.
Outrossim, o decisum assenta que a sentença que declarar a propriedade do imóvel não trará prejuízo ao confinante ou cônjuge não citado, já que a sua não participação no feito significa que a sentença não terá efeitos quanto à área demarcada, reconhecendo apenas a propriedade do imóvel.
O acórdão textualiza uma “onda renovatória” de entendimentos nos tribunais tendente a afastar o excesso de formalismo em proveito da justiça social. No caso em comento, fundamentou o ministro relator que não se discute o mérito da ação de usucapião, mas tão somente a regra procedimental, especificamente a ausência de citação dos cônjuges dos vizinhos como causa de nulidade absoluta do processo.
Em louvor ao princípio da efetividade jurisdicional, o ministro assentou que o antigo código processual estabelecia rito específico para as ações de usucapião, mas desta feita o novo CPC não prevê mais tal procedimento especial, desse modo, a ação passou a ser tratada no âmbito do procedimento comum, e grafou: “Mostra-se mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar a solução do direito material em litígio, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade”.
EMENTA. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. CUMULAÇÃO DE PRETENSÕES: USUCAPIÃO E DELIMITATÓRIA. CITAÇÃO DO CÔNJUGE DO CONFINANTE. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE RELATIVA DO FEITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. INEFICÁCIA DA SENTENÇA, COM RELAÇÃO AO CONFINANTE, NO QUE CONCERNE À DEMARCAÇÃO DA ÁREA USUCAPIENDA.
1. Estabelece o Código de Processo Civil de 1973, no tocante ao procedimento da usucapião, que o autor deve requerer "a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados" (art. 942).
2. Os confrontantes têm grande relevância no processo de usucapião porque, a depender da situação, terão que defender os limites de sua propriedade e, ao mesmo tempo, poderão fornecer subsídios fáticos ao magistrado.
3. Com relação ao proprietário e seu cônjuge, constantes no registro de imóveis, é indispensável, na ação de usucapião, a citação deles (e demais compossuídores e condôminos) como litisconsortes necessários, sob pena de a sentença ser absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.
4. No tocante ao confrontante, apesar de amplamente recomendável, a falta de citação não acarretará, por si, causa de irremediável nulidade da sentença que declara a usucapião, notadamente pela finalidade de seu chamamento - delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos - e pelo fato de seu liame no processo ser bem diverso daquele relacionado ao dos titulares do domínio, formando pluralidade subjetiva da ação especial, denominada de litisconsórcio sui generis.
5. Em verdade, na espécie, tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos, e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá, malgrado o defeito atinente à primeira.
6. A sentença que declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante (e ao seu cônjuge) não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos, haja vista que a ausência de participação no feito acarretará, com relação a eles, a ineficácia da sentença no que concerne à demarcação da área usucapienda.
7. Apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, inclusive com ampla recomendação de o juízo determinar eventual emenda à inicial para a efetiva interveniência - com citação pessoal - destes no feito, não se pode olvidar que a sua ausência, por si só, apenas incorrerá em nulidade relativa, caso se constate o efetivo prejuízo.
8. Na hipótese, apesar da citação dos titulares do domínio e dos confinantes, com a declaração da usucapião pelo magistrado de piso, entendeu o Tribunal a quo por anular, indevidamente, o feito ab initio, em razão da falta de citação do cônjuge de um dos confrontantes.
9. Recurso especial provido. (STJ. Resp. Nº 1.432.579. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO. Data do Julgamento: 24 de outubro de 2017).
Considerações finais. No caso em comento, por maioria entenderam os ministros da Terceira Turma da Corte Superior, embora os confrontantes tenham grande relevância no processo de usucapião, com escopo de defender os limites de sua propriedade e, ao mesmo tempo, poderem fornecer subsídios fáticos ao julgador, todavia, a sentença que declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante (e ao seu cônjuge) não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos. Mediante a decisão proferida, o processo retorna ao Tribunal Regional para a análise de mérito da apelação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE MATERIAL DE PESQUISA:
CORREIA, André de Luizi. A CITAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO – Coleção Estudos de Direito do Processo – Enrico Tullio LIEBMAN, Vol 46: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio: um estudo sobre o litisconsórcio comum, unitário, necessário, facultativo. São Paulo: RT, 1984.
FILHO, Misael Montenegro. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Vol. I: Editora Atlas, 2005.
HUMBERTO Theodoro Junior. Curso de DIREITO PROCESSUAL CIVIL 50ª Edição, Vol. I,  Editora Forense, 2016.
MARCATO, Antonio Carlos e outros. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Interpretado, 3ª edição: Editora Atlas, 2008.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas – São Paulo Editora Saraiva, 1953.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊIA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A. colaboração de FONSECA, João Francisco Naves da. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e Legislação Processual em Vigor, 44ª edição: Editora Saraiva, 2012.
NELSON Nery Junior; ROSA Maria de Andrade Nery. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, 2ª ed., 2009, RT.
http://www4.planalto.gov.br/
http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ (Notícias).
VADE Mecum RIDEEL Acadêmico de Direito 27ª Ed., Organização: Anne Joyce Angher. 2018.




0 comments:

Matérias de caráter meramente informativo, escopo precípuo, pensamento jurídico, com ênfase em lei, doutrina e jurisprudência, sujeitas a alterações, nos termos da lei ou erro material.
Todos os Direitos Reservados. | Lunna Chat 2010 - 2020

Designed By : BloggerMotion