Todo ato de
liberalidade, inclusive a doação feita em vida a descendentes, nada mais é do
que adiantamento da herança devida a cada um da prole, devendo integrar
necessariamente a relação dos bens a serem partilhados no inventário, pouco
importando se os demais irmãos nasceram depois da doação e se são irmãos de
apenas um dos pais, e não dos dois como os outros. Porque os filhos, seja qual
for a forma de filiação, terão os mesmos direitos e qualificações, sendo vedada
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (Artigo 227, § 6º
da CR).
Outrossim, também não
pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva (artigo 426); São herdeiros
necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (artigo 1.845); pertence
aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança,
constituindo a legítima (artigo 1.846); sendo certa que com o passamento do de cujus, abre-se a sucessão, a herança
transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (artigo
1.784 - institutos, todos do Código Civil).
Doravante, a dispensa
do dever de arrolar o bem doado no inventário final só pode acontecer quando
houver manifestação formal e expressa do doador nesse sentido, determinando que
a doação saia de seu próprio quinhão e não do patrimônio total dos herdeiros.
Com este entendimento,
a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime, tomada
com base em voto da ministra Nancy Andrighi, presidente do colegiado, não
conheceu de recurso de uma jurisdicionada e três outros irmãos, que intentaram contra
uma irmã recebedora de doação em vida de bens doados pode seu genitor.
Objeto da demanda: duas
fazendas, que os irmãos entraram na Justiça tentando manter de fora do
patrimônio total do inventário, pois teriam sido doadas, de livre vontade, por
seu pai, quando se desquitou de sua mãe, com quem teve os quatro filhos.
Alegaram que os dois imóveis rurais não poderiam ser arrolados entre os bens
para partilha entre os herdeiros, vez que foram objeto de partilha em vida e
não de doação de ascendente para descendente.
Argumentaram, ainda, que
a irmã, nascida em 1970, filha da união de seu falecido pai com a genitora da
mesma, só teria direito a uma parcela de 5% de cada fazenda, porque, como o falecido
possuía a metade dos bens, já que os outros 50% pertenceriam à mãe, dos outros quatro
irmãos, e 25% constituem a parte legítima dos herdeiros, só sobraria para serem
partilhados entre os quatro filhos e a outra filha, 25% dos imóveis rurais, cabendo,
portanto, a cada um, 5% do total.
A sentença na ação de
inventário dos bens determinou que fossem somados ao total do inventário 50% do
valor de cada fazenda, tendo o acórdão do Tribunal de Justiça Estadual negado o
recurso que interpuseram para reformar a decisão de primeiro grau.
Daí o recurso especial
para a Corte Superior de Justiça, alegando que os bens em litígio não foram
objeto de doação, mas de partilha em vida, e, por essa razão, não poderiam ser
somados aos outros bens para divisão entre todos os herdeiros. Sustentaram, ainda,
que a partilha foi feita em data anterior ao nascimento da filha da outra
união, sendo claro que a verdadeira intenção do falecido pai foi a partilha em
vida, como parte do acordo de desquite com a mãe, e não a doação.
Pediram, ademais, que
fosse excluída a parcela disponível do patrimônio do falecido, de maneira que,
se for obrigatória a juntada dos dois imóveis rurais ao inventário, deveria ser
contada apenas a parte de 25% para divisão entre os cinco herdeiros, como outrora
pedido.
Ao não conhecer do
recurso, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, argumentou que a
partilha em vida é, na verdade, como um "inventário em vida", que
pode até dispensar o inventário propriamente dito, post mortem.
No caso, do feito em
comento e as circunstâncias dos autos, decidiu a ministra relatora, que ocorreu a doação dos
bens, e não a alegada partilha, porque não foram cumpridas as formalidades
exigidas para sua caracterização, ou seja, não houve a expressa aceitação de
todos os herdeiros nem foi considerado o quinhão da herdeira necessária.
Salientou a ilustre ministra
da Core Superior que a transferência das fazendas aos quatro herdeiros havidos
do casamento, por meio de escritura pública, não pode ser considerada
juridicamente partilha em vida, mesmo porque, se não constituiu doação, foi
mera liberalidade do falecido e, em decorrência dessa natureza, sujeita os bens
doados ao dever de serem juntados ao total do inventário.
Para a ministra Relatora
do processo, irrelevante também o argumento de que a doação foi feita antes do
nascimento da outra filha, pois não importa o tempo em que foi feita a
liberalidade, se o bem foi doado antes de ter nascido o filho, ou mesmo antes do
casamento do falecido com a genitora do herdeiro necessário. Para a ministra, não
existe diferença entre os descendentes, sejam eles irmãos germanos, isto é, de
pai e de mãe, ou unilateral, de apenas um dos pais.
De acordo com o texto
constitucional, argumentou a ministra, não há qualquer distinção entre os
filhos, sendo irrelevante falar em irmãos filhos dos mesmos pais ou de pais diferentes,
nascidos depois do ato de doação ou depois da separação judicial ou do divórcio
do doador. Hoje, nem mesmo se admite qualquer discrepância de tratamento entre
os havidos fora do casamento, pois já nem se fala em herdeiros legítimos ou
ilegítimos. Na verdade, assegurou a ministra Nancy Andrighi, o dever de juntar
os bens doados ao patrimônio total da partilha é imperioso para o herdeiro
descendente que recebeu qualquer bem do doador falecido, a título de
liberalidade ou doação, pois isso nada mais é do que adiantamento do quinhão
legítimo de cada um dos descendentes.
O dever do herdeiro de
juntar ao total os bens recebidos por liberalidade só pode ser dispensado
quando houver manifestação formal expressa do doador, determinando que a doação
seja extraída da parte disponível de seus bens, o que não ocorreu no caso dos
autos em apreço. Falecendo, assim, os argumento apresentados no pedido dos herdeiros
para que fossem contados apenas 25% das fazendas para divisão entre os cinco
irmãos, em vista da inexistência de vontade expressa do pai falecido de
determinar que a doação dos dois imóveis rurais fosse tirada da parcela
disponível de seu patrimônio.
Em sínteses, prevaleceu,
o entendimento do juízo de primeira instância que julgou no sentido de juntar
ao total do inventário a metade das fazendas doadas pelo pai. Vez que, não
vendo o que modificar nas decisões recorridas, a Corte Superior de Justiça, não
conheceu do recurso especial interposto pelos herdeiros, em voto que foi
acompanhado integralmente pelos ministros Castro Filho e Antônio de Pádua
Ribeiro. Não participaram do julgamento os ministros Humberto Gomes de Barros e
Carlos Alberto Menezes Direito. (STJ. REsp 730.483 - 3ª Turma. Rel. Min. Nancy
Andrighi).
FONTE MATERIAL E
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA Machado e
outros. Código Civil Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado 9ª ed., Editora
Sarava, 2003.
GOMES, Orlando. CONTRATOS 18ª edição - Atualizador: Humberto
Theodoro Junior, Editora Forense, 1999.
MONTEIRO, Washington de
Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Sucessões – Editora Saraiva, 1975.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em
Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
Notícias do STJ –
www.stj.com.br (27.05.2005).
0 comments: