sábado, 4 de fevereiro de 2017

Averiguação oficiosa de paternidade pode ser extinta pelo juiz por falta de provas?


O direito à filiação tem esteio no direito da personalidade, com assento constitucional, que veda qualquer tipo de discriminação em relação à filiação (statu familiae). Logo, a filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado sem qualquer restrição, fundamentado na dignidade da pessoa humana, à essencial busca pela identidade biológica. 

Vale salientar, ainda, enquanto no seio da convivência estável de um casal, o registro dos filhos é feito em nome de ambos os cônjuges, como pais, fora dele é indispensável o assentimento expresso de cada um no ato do registro de nascimento.

Segundo J. Flankin Alves Felipe, em se tratando de reconhecimento dos filhos, mater seper certa est, pater autem incertus, ou seja, a mãe é sempre certa e o pai é presunção.  

O reconhecimento do filho natural é permitido e pode ser feito no próprio assento de nascimento e/ou posteriormente, por escritura pública, nos termos da legislação vigente. 

Código Civil preconiza em seu artigo 1.609 que o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único.  O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

         O artigo 26 da Lei n. 8.069/1990, dispõe:
Art. 26.  Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.
Parágrafo único.  O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. 

Em remate, o Estatuto Civil de 2002, prevê o reconhecimento dos filhos nos artigos 1.607 a 1.617. Quanto à maternidade textualiza que, constando no assento de nascimento, só poderá ser contestada, provando-se falsidade do termo ou das declarações (artigo 1.608). Preconiza, ainda, que o reconhecimento pode ser anterior ao nascimento do filho ou ser posterior ao falecimento do mesmo, se este deixou descendente (artigo 1.609, parágrafo único). Por sua vez, a irrevogabilidade do reconhecimento é prevista no artigo 1.610.     

E, cabe exclusivamente ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher por meio da “ação negatória de paternidade” que é imprescritível (artigo 1.601 do CC). Lado outro, tendo justo interesse, qualquer pessoa pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade (artigo 1.615 do CC). 

Por força da matéria de fundo - DORAVANTE
Conforme decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, de forma unânime, nos procedimentos de averiguação oficiosa de paternidade previstos em lei, quando não informado o nome do genitor da criança no assento de nascimento, o juiz tem a discricionariedade de extinguir o processo, entendendo ser inviável tal procedimento, e independe da colaboração dos interessados no pleito de reconhecimento paterno.

Estribados em referidos argumentos alhures, os ministros da C. Turma Julgadora do STJ negou o pedido do Ministério Público de Santa Catarina para invalidar decisão judicial que extinguiu pedido de averiguação sem a oitiva da genitora da criança.  

Cabe ressaltar que o recurso teve sua origem em procedimento instalado em virtude de registro de nascimento no qual constou apenas o nome da mãe da pessoa menor. Com a anuência do parque Catarinense, o feito foi declarado extinto pelo juiz devido à falta de interesse da genitora em apontar o nome do pai da infante na certidão de nascimento.

No entanto, contra o decisum de extinção do feito, o próprio Ministério Público interpôs reclamação ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, argumentando que, conforme o artigo 2º da Lei 8.560/1992, a ordem legal do processo foi invertida ao não serem reunidos elementos para a futura ação de investigação de paternidade, tal como a oitiva da genitora, a ser proposta pelo MP.

A reclamação foi rejeitada pelo tribunal catarinense, que entendeu que a Lei 8.560/1992 apenas faculta ao juiz a averiguação das informações sobre o pai da criança. O TJSC também apontou a possibilidade da realização da oitiva da genitora pelo próprio Ministério Público, de forma administrativa.

Em sede de recurso especial, o órgão ministerial de Santa Catarina insistiu na tese de que a extinção precoce do procedimento oficioso de averiguação violou o direito indisponível da criança de ter sua filiação reconhecida. No desiderato do representante do MP a mãe deveria ser ouvida formalmente para permitir a aferição dos motivos da sua negativa em revelar informações sobre o genitor da menor, procedimento que só poderia ser afastado pelo magistrado em caso de manifesta impossibilidade de realização.

Investigação sumária
Explicou o ministro Villas Bôas Cueva relator do recurso, que independentemente da existência de informação completa sobre as origens da criança, o oficial do registro civil deve efetuar o registro de nascimento, conforme dispõe o artigo 50 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973). No caso dos registros de nascimentos que conste somente o nome da genitora, a Lei nº 8.560/1992 prevê a instauração da averiguação oficiosa de paternidade.

“O procedimento de investigação sumária está a cargo do juiz, que tem a faculdade de analisar a possibilidade de oitiva da mãe e de notificação do suposto pai para prestar esclarecimentos acerca da filiação. Todavia, na hipótese de concluir pela impossibilidade de que sejam trazidos elementos para a definição da verdadeira paternidade, o juiz poderá extinguir o procedimento administrativo, encaminhando os autos ao representante do Ministério Público para que intente a ação competente, se cabível”, destacou o relator.

Dessa forma, apesar da possibilidade da extinção do procedimento de jurisdição voluntária pelo magistrado, o ministro Villas Bôas Cueva ressalvou a possibilidade de propositura de ação de investigação de paternidade na esfera judicial, a ser apresentada pelo próprio Ministério Público em proteção à dignidade da criança.

“Assim, a investigação de paternidade, uma vez judicializada, poderá tramitar sem a anuência da mãe, por versar direito indisponível. Daí, de fato, não assistir razão ao órgão ministerial recorrente, tendo em vista não se adotar no Brasil o contencioso administrativo”, concluiu o relator. (O número do processo não é divulgado - segredo de justiça,  artigo 189 do CPC).

Em epistole, leciona Maria Berenice que o direitos das famílias é o mais humano de todos os direitos, que, com efeito, acolhe o ente humano desde antes do nascimento, por ele zela durante a vida e cuida de suas coisas até depois de sua morte. Oxalá!   

FONTE MATERIAL E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA Machado e outros. Código Civil Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2010.
FELIPE, J. Franklin Alves. Adoção, Guarda, Investigação de Paternidade e Concubinato 8ª edição, Editora Forense, 1996.
GALENO Lacerda. Direito de Família: Vol. III, Ed., Forense, 2000.
Informação do STJ Notícias
http://www.stj.jus.br/sites/STJ; imprensa@stj.jus.br
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente Doutrina e Jurisprudência17ª, Editora JusPODIVM, 2016.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
Resumão Jurídico Família e Sucessões - BF&A/Exord, 2004.
Vade Mecum Saraiva 19ª edição - 2015. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. — 19. ed. atual. e ampl. — São Paulo: Saraiva, 2014.

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