sexta-feira, 27 de maio de 2016

A viúva possui legitimidade para impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, mesmo não sendo herdeira?

Prolegômenos

A personalidade da pessoa natural, isto é, sua capacidade para ser titular de direito e deveres na ordem civil, termina com a morte. Assim, diante do princípio da saisine, corolário da premissa de que inexiste direitos sem o sujeito/titular. É possível concluir que a titularidade dos direitos do de cujus transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários, que desde logo recebe a herança, independentemente da prática de qualquer ato, inclusive se não tenham, ainda, o conhecimento da morte do antigo titular. 

“Por força do princípio da saisine, previsto no art. 1.784 do CC, a morte de uma pessoa opera de pleno direito a transmissão de seus bens e direitos aos herdeiros, que adquirem, ao lado do espólio, a legitimidade para a defesa do acervo hereditário. Interpretação conjunta dos arts 1.791 e 1.314 do CC” (RT 896/276: TJMG, AP 1.0433.08.264977-6/001. Apud Theotonio Negrão. Código Civil 33ª, 2014. Nota: 3ª do Artigo 1.784).

Destarte que, o domínio é transferido aos herdeiros no instante da morte do de cujus, quanto aos sucessores, estes devem aguardar os procedimentos relativos ao inventário ou partilha de bens.

Doravante, a título exemplificativo em testilha temos as seguintes hipóteses:
A que fora casado com B, morreu deixando dois filhos que estão registrados em seu nome, sendo eles: C e D.

Passados 30 (trinta) dias do passamento de A, apareceu E (filho havido fora da relação do casamento) afirmando que o falecido é seu pai biológico, apesar de não tê-lo registrado.

Nestes termos, cabe indagar: caso A ainda estivesse vivo, contra quem deveria ser proposta a ação? Contra quem é proposta a ação de investigação de paternidade?

RESPOSTA: contra o de cujus. Por certo, a ação de investigação de paternidade deve ser proposta em face do suposto pai.

Neste iter, é sabido que A já está morto, contra quem E terá que ajuizar a ação? Quem deverá figurar obrigatoriamente no polo passivo da ação de investigação de paternidade post mortem?

A priori, a ação de investigação de paternidade post mortem deve ser proposta contra os herdeiros do suposto pai. Este imperativo está prescrito no artigo 27 do ECA:

Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

Segundo Silvio Rodrigues, o reconhecimento da paternidade vem por ato do juiz que declara a filiação, estabelecendo judicialmente o parentesco entre o pai e a mãe e seu filho.
   
No tocante a prescrição diz o Supremo Tribunal Federal:
SÚMULA 149 do STF. É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.
Logo, a ação de investigação post mortem irá ser proposta, obrigatoriamente, contra os herdeiros do de cujus porque, se a ação for julgada procedente, o resultado da demanda, com efeito, irá adentrar na situação dos herdeiros, que poderão até perder, no todo ou em parte, o direito à herança ou ficar com ela reduzida (dito isto sob o caso em análise).

Há! No exemplo dado, E terá que propor a ação de investigação contra B (a viúva)?

Depende. Nos termos do artigo 1.845 do CC, a viúva é herdeira necessária, mas se o falecido tiver deixado descendentes (filhos, netos etc.), a viúva poderá não ter direito à herança, logo, a depender do regime de bens, tem-se uma situação. Vejamos:

A regra que preconiza o artigo 1.829, I, do CC:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Segundo Maria Helena Diniz, com arrimo em Silvio Rodrigues, a ordem de vocação hereditária é estabelecida pela lei numa relação preferencial das pessoas que são chamados a suceder o falecido; conquanto haja doutrinadores que diz ser muito confuso o inciso I, ao ponto de gerar polemica. Lado outro, vejo o magistério de Maria Berenice, no qual o Código Civil de 2002, como tudo o que é novo, gerou resistências e despertou desconfianças; e considerando como toda a novidade, não correspondeu à expectativa geral, ensejando muitos desapontamentos, quando lido com precipitação por alguns que pretenderam serem os pioneiros em interpretá-lo.

De toda sorte, é possível extrair do inciso retro que: o cônjuge é herdeiro necessário, todavia há situações em que a lei em comento deu preferência para os descendentes do morto, ao prevê alguns casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens, não irá ter direito à herança, ficando esta toda com os descendentes. In verbis, possíveis casos:

I – Situações em que o cônjuge herda em concorrência com os descendentes
II – Situações em que o cônjuge não herda em concorrência com os descendentes
§  Regime da comunhão parcial de bens,                 se existirem bens particulares do falecido.
§  Regime da separação convencional de bens (é o que decorre de pacto antenupcial).
§ Regime da comunhão parcial de bens,                  se não havia bens particulares do falecido.
§ Regime da separação legal (obrigatória) de bens (disposições previstas no artigo 1.641 do CC).
§ Regime da comunhão universal de bens.
Assim, por exemplo, se a cônjuge supérstite (B) era casada com (A) sob o regime da separação convencional de bens, ela terá direito, juntamente com C e D (os herdeiros), à herança deixada pelo marido. Logo, neste caso, E (filho havido fora da relação do casamento) deverá propor a ação de investigação de paternidade contra B, C e D.

Por outro lado, se B (viúva) era casada com A (de cujus) sob o regime da comunhão universal de bens, ela não terá direito à herança. Neste caso ela será meeira, mas não herdeira. Desse modo, E terá que propor a ação apenas contra C e D (os herdeiros).


Nessa órbita, importante salientar, que: caso os consortes estejam casados no regime da comunhão universal de bens, isso significa que quando a pessoa morre, seu cônjuge tem direito à meação, ou seja, metade dos bens do falecido já pertence obrigatoriamente ao cônjuge supérstite. A outra metade é que será a herança.

Através da exegese e hermenêutica do sistema é possível vislumbrar a vontade do legislador, da seguinte forma: “se o cônjuge já vai ter direito à metade dos bens pelo fato de ser meeiro, não é justo que ele também tenha parte da outra metade em prejuízo dos descendentes; vamos excluir o cônjuge da herança para que ela fique toda para os descendentes.”

Voltando ao exemplo do estudo:

Vamos supor que a consorte B era casada sob o regime da comunhão universal de bens. O defensor de E ao examinar a certidão de óbito do falecido, percebeu isso, pois lá se textualizava referida informação.

Logo, sabendo que B não tinha direito à herança, o defensor de E preparou a ação de investigação de paternidade post mortem apenas contra C e D (os herdeiros).

Pergunta-se, o conduto da técnica do causídico do patrocinado (E), está correta?

POSITIVO. Como visto antes, sendo a viúva casada no regime da comunhão universal de bens, ela será meeira, mas não herdeira.

C e D foram citados e apresentaram contestação. Realizou-se audiência, na qual foi ouvida uma testemunha, e o juiz remarcou o restante da audiência em razão de as duas testemunhas restantes estarem comprovadamente doentes.

Nesse diapasão, B tomou conhecimento que estava tramitando este processo e ficou chateada porque queria participar e provar que seu marido nunca havia lhe traído e que "não tinha outro filho coisa nenhuma".

Ex positi, a Consorte, por meio de seu defensor, peticiona ao juiz requerendo:
I) seu ingresso no feito no polo passivo a fim de impugnar a ação de investigação;
II) que a instrução do processo seja reiniciada, reabrindo o prazo para que ela apresente contestação, pegando novamente a oitiva da testemunha já inquirida.

Os pedidos de B deverão ser aceitos?

O primeiro sim, o segundo não, portanto:

Pedido I: CORRETO.

Na hipótese de a viúva não ser herdeira do investigado, ela não ostentará, em princípio, a condição de parte ou litisconsorte necessária na ação de investigação de paternidade post mortem. Em outras palavras, o autor da ação não precisa propor a demanda contra ela.

A relação processual estará, em regra, completa com a citação de todos os seus herdeiros, não havendo nulidade pela não inclusão no polo passivo de viúva não herdeira.

Acontece que, a Lei 10.406/02 autoriza que qualquer pessoa que tenha interesse possa contestar a ação de investigação de paternidade (legitimatio ad causam; artigo 1.615).

No caso concreto, B (viúva) não possui interesse patrimonial na demanda, considerando que, mesmo que E seja reconhecido como filho, o que irá mudar é que C e D (os herdeiros) terão que dividir a herança com ele. A meação da viúva permanecerá intacta.

A viúva possui, no entanto, interesse moral na causa.

Em regra, o interesse meramente moral não autoriza a intervenção como assistente. No entanto, a interpretação da doutrina e da jurisprudência é que, no caso do artigo 1.615 do Estatuto de direito material, o interesse moral permite que a viúva intervenha no polo passivo da ação de investigação de paternidade post mortem.

Dessa forma, B poderá assumir o polo passivo da ação, juntamente com os demais réus, pelo fato de possuir interesse moral na causa, o que satisfaz a exigência do artigo 1.615 do CC:

Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.

Destarte, devo rememorar que a Consorte tem por escopo, preservar a imagem do investigado. E este dispositivo nessa esfera é coadjuvante, segundo o professor Costa Machado, citando Clóvis Bevilácqua, que a legitimatio ad causam oferta resistência à pretensão inicial de um investigante, como no caso em tela.  Concluindo:

Pedido II: NEGATIVO

Pois B, pelo fato de não ter direito à herança, não era litisconsorte necessária. Em outras palavras, E, o autor da demanda, não era obrigado a incluí-la no polo passivo. Ele não fez nada errado ao intentar a demanda apenas contra os herdeiros (C e D). Logo, não há motivo para se retroceder o curso processual.

Aplica-se ao caso supra as disposições do parágrafo único do artigo 119 do NCPC:

Art. 119. (...) Parágrafo único.  A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.

Como visto, tanto o interesse jurídico, como o moral tem sede no presente caso. Conforme Nelson Nery Junior, CPC Comentado, p. 232, 2006. E nesse sentido, Pontes de Miranda afirma que o interesse jurídico a que se refere o dispositivo em comento é o mesmo que o “interesse de agir”, posto que, pretensão de tutela jurídica - pré-processual para qualquer espécie de processo e a qualquer altura em que ele estiver no iter de direito material. Por sua vez, interesse moral sob a édige do artigo 1.615 do CC.

Conforme o STJ: Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição de herdeira, a viúva poderá impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, devendo receber o processo no estado em que este se encontra foi o entendimento da Eg. Corte. (STJ. 4ª T. REsp. 1.466.423-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Data do Julgado: 23/2/2016). (Conteúdo: Info 578).

Considerações finais. Quanto ao regime de bens, para os nubentes que está prestes a contrair matrimônio, após estipulado o pacto antenupcial se terá a identificação da existência e da extensão da meação que estará condicionada ao regime escolhido. Logo, o regime de bens eleito começará a vigorar desde a data do casamento. 
 
Em se tratando do regime de comunhão universal, todo o patrimônio se comunica e a meação é garantida sobre a integralidade do patrimônio, independente de haver sido adquirido antes ou na constância do casamento. Não há bens particulares ou patrimônio próprio na hora de definir a meação. Outrossim, partilham-se todas as dívidas contraídas na constância do casamento, tenham ou não convertido em benefício dos consortes. (RT 893/321: TJRS, AP 70031551237 - Apud Theotonio Negrão. Código Civil 33ª, 2014. Nota: 3. Artigo 1.667). 

Por seu turno, quando o pacto é pela separação total de bens não há comunicação de patrimônio, única hipótese em que não há direito à meação.
Quanto o direito ao nome do pai no assento registral, cumpre dizer que referida figura está ancorado na dignidade da pessoa humana e os filhos havidos ou não da relação do casamento tem direito ao nome paterno em seu assento, assim como, os consectários dele provenientes. 
Em derradeiro, a igualdade na filiação é uma evolução que está sedimentada no ceio familiar, expurgando qualquer resquício discriminatório, pois, dita a Magna Carta que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem.    
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Fonte material e referências bibliográficas:
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfang; STREEK, Lenio Luiz. Comentários à CONSTITUIÇÃO DO BRASIL: Editora Saraiva, 2013.
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado 9ª ed., Editora Sarava, 2003.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2010.
DIAS, - Maria Berenice. Concorrência Sucessória: publicada no Juris Síntese nº 52 - Mar/Abr de 2005.  (Publicada no Juris Síntese nº 52 - MAR/ABR de 2005).
Internet: http://www.dizerodireito.com.br/
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente Doutrina e Jurisprudência17ª, Editora JusPODIVM, 2016.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil Vol. 5 – Direito de Família e Sucessões: Editora Saraiva, 2012
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo III, Editora Forense, 1998.
JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria Andrade. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO 9ª edição: editora Revistados Tribunais, 2006.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Sucessões 11ª edição, Saraiva, 1975.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito de Família 25ª edição, Editora Saraiva, 1986.
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊIA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A. colaboração de FONSECA, João Francisco Naves da. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e Legislação Processual em Vigor, 42ª edição: Editora Saraiva, 2010.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil 6ª edição, vol. VII , Editora Atlas, 2006.

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