Prolegômenos
A personalidade da pessoa natural, isto é, sua
capacidade para ser titular de direito e deveres na ordem civil, termina com
a morte. Assim, diante do princípio da saisine, corolário da premissa
de que inexiste direitos sem o sujeito/titular. É possível concluir que a
titularidade dos direitos do de cujus transmite-se aos herdeiros legítimos
e testamentários, que desde logo recebe a herança, independentemente da
prática de qualquer ato, inclusive se não tenham, ainda, o conhecimento da
morte do antigo titular.
“Por força do princípio da saisine, previsto
no art. 1.784 do CC, a morte de uma pessoa opera de pleno direito a transmissão
de seus bens e direitos aos herdeiros, que adquirem, ao lado do espólio, a
legitimidade para a defesa do acervo hereditário. Interpretação conjunta dos
arts 1.791 e 1.314 do CC” (RT 896/276: TJMG, AP 1.0433.08.264977-6/001. Apud
Theotonio Negrão. Código Civil 33ª, 2014. Nota: 3ª do Artigo 1.784).
Destarte que, o domínio é transferido aos herdeiros
no instante da morte do de cujus, quanto aos sucessores, estes devem aguardar
os procedimentos relativos ao inventário ou partilha de bens.
Doravante, a título
exemplificativo em testilha temos as seguintes hipóteses:
A que fora casado com B, morreu deixando dois filhos que estão registrados
em seu nome, sendo eles: C e D.
Passados 30 (trinta) dias do
passamento de A, apareceu
E (filho havido fora da relação do
casamento) afirmando que o falecido é seu pai biológico, apesar de não tê-lo
registrado.
Nestes termos, cabe indagar: caso
A ainda estivesse vivo, contra
quem deveria ser proposta a ação? Contra quem é proposta a ação de investigação
de paternidade?
RESPOSTA: contra o de cujus. Por certo, a ação de investigação de paternidade deve
ser proposta em face do suposto pai.
Neste iter, é sabido que A já está morto, contra quem E terá que ajuizar a ação? Quem
deverá figurar obrigatoriamente no polo passivo da ação de investigação de
paternidade post mortem?
A priori, a ação de investigação
de paternidade post mortem deve ser proposta contra os herdeiros do
suposto pai. Este imperativo está prescrito no artigo 27 do ECA:
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus
herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
Segundo Silvio Rodrigues, o
reconhecimento da paternidade vem por ato do juiz que declara a filiação, estabelecendo
judicialmente o parentesco entre o pai e a mãe e seu filho.
No tocante a prescrição diz o Supremo Tribunal Federal:
SÚMULA 149 do STF. É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a
de petição de herança.
Logo, a ação de investigação post
mortem irá ser proposta, obrigatoriamente, contra os herdeiros do de cujus porque, se a ação for julgada
procedente, o resultado da demanda, com efeito, irá adentrar na situação dos
herdeiros, que poderão até perder, no todo ou em parte, o direito à herança ou
ficar com ela reduzida (dito isto sob o caso em análise).
Há! No exemplo dado, E terá que propor a ação de
investigação contra B (a viúva)?
Depende. Nos termos do artigo
1.845 do CC, a viúva é herdeira necessária, mas se o falecido tiver deixado
descendentes (filhos, netos etc.), a viúva poderá não ter direito à herança, logo,
a depender do regime de bens, tem-se uma situação. Vejamos:
A regra que preconiza o artigo 1.829, I, do CC:
Art. 1.829. A
sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em
concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art.
1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;
Segundo Maria Helena Diniz, com
arrimo em Silvio Rodrigues, a ordem de vocação hereditária é estabelecida pela
lei numa relação preferencial das pessoas que são chamados a suceder o falecido;
conquanto haja doutrinadores que diz ser muito confuso o inciso I, ao ponto de gerar polemica. Lado outro, vejo o magistério
de Maria Berenice, no qual o Código Civil de 2002, como tudo o que é novo,
gerou resistências e despertou desconfianças; e considerando como toda a
novidade, não correspondeu à expectativa geral, ensejando muitos
desapontamentos, quando lido com precipitação por alguns que pretenderam serem
os pioneiros em interpretá-lo.
De toda sorte, é possível extrair
do inciso retro que: o cônjuge é herdeiro necessário, todavia há situações em que
a lei em comento deu preferência para os descendentes do morto, ao prevê alguns
casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens, não irá ter direito à
herança, ficando esta toda com os descendentes. In verbis, possíveis casos:
I – Situações em que o cônjuge herda em concorrência com os
descendentes
|
II – Situações em que o cônjuge não herda em concorrência com
os descendentes
|
§ Regime da comunhão parcial de
bens,
se existirem bens particulares do falecido.
§ Regime da separação
convencional de bens (é o que decorre
de pacto antenupcial).
|
§ Regime da comunhão parcial de
bens,
se não havia bens particulares do falecido.
§ Regime da separação legal (obrigatória)
de bens (disposições previstas no artigo 1.641 do CC).
§ Regime da comunhão universal de
bens.
|
Assim, por exemplo, se a cônjuge
supérstite (B) era casada com (A) sob o regime da separação
convencional de bens, ela terá direito, juntamente com C e D
(os herdeiros), à herança deixada pelo marido. Logo, neste caso, E
(filho havido fora da relação do casamento) deverá propor a ação de
investigação de paternidade contra B, C e D.
Por outro lado, se B
(viúva) era casada com A (de cujus) sob o regime da comunhão universal de bens, ela não terá
direito à herança. Neste caso ela será meeira, mas não herdeira. Desse modo, E
terá que propor a ação apenas contra C e D (os herdeiros).
Nessa órbita, importante
salientar, que: caso os consortes estejam casados no regime da comunhão
universal de bens, isso significa que quando a pessoa morre, seu cônjuge tem
direito à meação, ou seja, metade dos bens do falecido já pertence
obrigatoriamente ao cônjuge supérstite. A outra metade é que será a herança.
Através da exegese e hermenêutica
do sistema é possível vislumbrar a vontade do legislador, da seguinte forma:
“se o cônjuge já vai ter direito à metade dos bens pelo fato de ser meeiro, não
é justo que ele também tenha parte da outra metade em prejuízo dos
descendentes; vamos excluir o cônjuge da herança para que ela fique toda para
os descendentes.”
Voltando ao exemplo do estudo:
Vamos supor que a consorte B
era casada sob o regime da comunhão universal de bens. O defensor de E
ao examinar a certidão de óbito do falecido, percebeu isso, pois lá se textualizava
referida informação.
Logo, sabendo que B
não tinha direito à herança, o defensor de E preparou a ação de
investigação de paternidade post mortem apenas contra C
e D
(os herdeiros).
Pergunta-se, o conduto da técnica
do causídico do patrocinado (E), está correta?
POSITIVO. Como visto
antes, sendo a viúva casada no regime da comunhão universal de bens, ela será
meeira, mas não herdeira.
C e D foram citados e
apresentaram contestação. Realizou-se audiência, na qual foi ouvida uma
testemunha, e o juiz remarcou o restante da audiência em razão de as duas
testemunhas restantes estarem comprovadamente doentes.
Nesse diapasão, B
tomou conhecimento que estava tramitando este processo e ficou chateada porque
queria participar e provar que seu marido nunca havia lhe traído e que
"não tinha outro filho coisa nenhuma".
Ex positi, a
Consorte, por meio de seu defensor, peticiona ao juiz requerendo:
I) seu ingresso no feito no polo
passivo a fim de impugnar a ação de investigação;
II) que a instrução do processo
seja reiniciada, reabrindo o prazo para que ela apresente contestação, pegando novamente
a oitiva da testemunha já inquirida.
Os pedidos de B deverão
ser aceitos?
O primeiro sim, o segundo não, portanto:
Pedido I: CORRETO.
Na hipótese de a viúva não ser
herdeira do investigado, ela não ostentará, em princípio, a condição de parte
ou litisconsorte necessária na ação de investigação de paternidade post
mortem. Em outras palavras, o autor da ação não precisa propor a demanda
contra ela.
A relação processual estará, em
regra, completa com a citação de todos os seus herdeiros, não havendo nulidade
pela não inclusão no polo passivo de viúva não herdeira.
Acontece que, a Lei 10.406/02 autoriza
que qualquer pessoa que tenha interesse possa contestar a ação de investigação
de paternidade (legitimatio ad causam; artigo
1.615).
No caso concreto, B
(viúva) não possui interesse patrimonial na demanda, considerando que, mesmo
que E
seja reconhecido como filho, o que irá mudar é que C e D
(os herdeiros) terão que dividir a herança com ele. A meação da viúva
permanecerá intacta.
A viúva possui, no entanto,
interesse moral na causa.
Em regra, o interesse meramente
moral não autoriza a intervenção como assistente. No entanto, a interpretação
da doutrina e da jurisprudência é que, no caso do artigo 1.615 do Estatuto de
direito material, o interesse moral permite que a viúva intervenha no polo
passivo da ação de investigação de paternidade post mortem.
Dessa forma, B poderá assumir o
polo passivo da ação, juntamente com os demais réus, pelo fato de possuir
interesse moral na causa, o que satisfaz a exigência do artigo 1.615 do CC:
Art. 1.615. Qualquer pessoa, que
justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou
maternidade.
Destarte, devo rememorar que a
Consorte tem por escopo, preservar a imagem do investigado. E este dispositivo nessa
esfera é coadjuvante, segundo o professor Costa Machado, citando Clóvis Bevilácqua,
que a legitimatio ad causam oferta
resistência à pretensão inicial de um investigante, como no caso em tela. Concluindo:
Pedido II: NEGATIVO
Pois B, pelo fato
de não ter direito à herança, não era litisconsorte necessária. Em outras
palavras, E, o autor da
demanda, não era obrigado a incluí-la no polo passivo. Ele não fez nada errado
ao intentar a demanda apenas contra os herdeiros (C e D).
Logo, não há motivo para se retroceder o curso processual.
Aplica-se ao caso supra as disposições
do parágrafo único do artigo 119 do NCPC:
Art. 119. (...) Parágrafo único.
A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de
jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.
Como visto, tanto o interesse jurídico,
como o moral tem sede no presente caso. Conforme Nelson Nery Junior, CPC
Comentado, p. 232, 2006. E nesse sentido, Pontes de Miranda afirma que o interesse
jurídico a que se refere o dispositivo em comento é o mesmo que o “interesse de
agir”, posto que, pretensão de tutela jurídica - pré-processual para qualquer
espécie de processo e a qualquer altura em que ele estiver no iter de direito material. Por sua vez, interesse
moral sob a édige do artigo 1.615 do CC.
Conforme o STJ: Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição de herdeira, a viúva
poderá impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, devendo
receber o processo no estado em que este se encontra foi o entendimento da Eg.
Corte. (STJ. 4ª T. REsp. 1.466.423-GO, Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti. Data do Julgado: 23/2/2016). (Conteúdo: Info 578).
Considerações finais.
Quanto ao regime de bens, para os
nubentes que está prestes a contrair matrimônio, após estipulado o pacto antenupcial
se terá a identificação da existência e da extensão da meação que estará
condicionada ao regime escolhido. Logo, o regime de bens eleito começará a
vigorar desde a data do casamento.
Em se tratando do regime de
comunhão universal, todo o patrimônio se comunica e a meação é garantida sobre
a integralidade do patrimônio, independente de haver sido adquirido antes ou na
constância do casamento. Não há bens particulares ou patrimônio próprio na hora
de definir a meação. Outrossim, partilham-se todas as dívidas contraídas na constância
do casamento, tenham ou não convertido em benefício dos consortes. (RT 893/321: TJRS, AP 70031551237 - Apud Theotonio Negrão.
Código Civil 33ª, 2014. Nota: 3. Artigo 1.667).
Por seu turno, quando o pacto é
pela separação total de bens não há comunicação de patrimônio, única hipótese
em que não há direito à meação.
Quanto o direito ao nome do pai no assento registral, cumpre dizer que referida figura está ancorado na
dignidade da pessoa humana e os filhos havidos ou não da relação do casamento
tem direito ao nome paterno em seu assento, assim como, os consectários dele
provenientes.
Em derradeiro, a igualdade na filiação é uma evolução que está
sedimentada no ceio familiar, expurgando qualquer resquício discriminatório, pois,
dita a Magna Carta que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem.
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Fonte
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