sexta-feira, 27 de maio de 2016

FGTS entra na partilha do divórcio?

I
Inicialmente, breves considerações sobre o que é o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço? Qual é a sua natureza jurídica?

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço está previsto no artigo 7º, III, da Constituição Federal. Vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
 III - fundo de garantia do tempo de serviço.

FGTS é a sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, foi criado pela Lei n.º 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa; sendo que atualmente, os Depósitos Fundiários são regidos pela Lei n.º 8.036/90.

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é, portanto, uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho. Ademais, deve o empregador depositar até o dia 7 de cada mês o valor de 8% da remuneração na conta. Logo, o regime do FGTS introduz um pecúlio progressivo e compulsório em favor do trabalhador. O artigo 15 da Lei nº 8.036/1990 destaca:

Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.  (Vide Lei nº 13.189, de 2015) Vigência

§ 1º Entende-se por empregador a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito privado ou de direito público, da administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que eventualmente venha obrigar-se. 

§ 2º Considera-se trabalhador toda pessoa física que prestar serviços a empregador, a locador ou tomador de mão-de-obra, excluídos os eventuais, os autônomos e os servidores públicos civis e militares sujeitos a regime jurídico próprio. 

Nestes termos, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”, (os depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidas monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos soldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de 3% ao ano), deque é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei.

Ademais, se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% (quarenta por cento) do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90).
Com efeito, o trabalhador que possui conta do FGTS vinculada a seu nome é chamado de trabalhador participante do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Jurisprudência do STF – RE 226.855/RS, rel. Min. Moreira Alves, j. em 31.8.2000, DJ 13/10/2000 “não há direito adquirido ao regime jurídico do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que não tem natureza contratual e pela sua natureza estatutária, decorrente de lei, será por ela disciplinado (...) Apud J.J Gomes Canotilho; Gilmar Mendes e outros. Comentários á Constituição do Brasil, 2013, p. 560).  
Conforme entendimento da C. Corte Superior, o FGTS possui natureza jurídica de direito social do trabalhador, sendo considerado, portanto, fruto civil do trabalho (STJ. 3ª Turma. REsp. 848.660/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 13/05/2011)

II
Como funciona o regime da comunhão parcial no Código Civil?

A união para o casamento, além da assistência moral, material e espiritual, também almeja a mútua cooperação. Outrossim, não deve o casamento possuir conteúdo econômico direto. Contudo, a união de corpo e alma de dois seres traz inexoravelmente reflexos patrimoniais para ambos, mormente após o desfazimento do vínculo conjugal. Por tais razões, conforme Yussef Cahil “é licito aos nubentes, antes de celebrar o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhe aprouver

De tal sorte, o regime de bens entre os consortes compreende uma das conseqüências jurídicas do casamento, mais ainda, quando de sua ruptura, assim “regime de bens é o estatuto que regula as relações patrimoniais entre os cônjuges, e entre estes e terceiros” (Moacir Amaral dos Santos, 1999, p. 291, apud Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – 5ª ed. Direito de Família, Atlas, 2005)  

O regime da comunhão parcial é tratado pelos artigos 1.658 a 1.666 do CC/2002.
Nessa espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com exceção dos casos previstos no Estatuto Civil.

Dito de outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em algumas situações que a própria Lei 10.406/2002 determina a incomunicabilidade:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

O artigo 1.660 do CC/02, lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal:

Art. 1.660. Entram na comunhão:
I — os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV — as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

CC/02, o artigo 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II — os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III — as obrigações anteriores ao casamento;
IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.


Em síntese, cada um dos consortes quando se casa sob o regime da comunhão parcial de bens, traz e conserva como seu o patrimônio próprio formado anteriormente ao casamento e, na constância da união, contribui para a formação de um montante único, sendo esse, o que deve ser divido numa eventual separação, pois aqueles são, a priori, incomunicáveis.

P.ex.: 1) Um dos consortes, durante o casamento, adquiriu um bem com o produto da venda de outro bem, que já era dele antes do casamento, o bem adquirido não entra na comunhão; 2) Agora, um imóvel adquirido por meio de fidúcia por um dos consortes antes da constância do casamento é quitado posteriormente, deve ser partilhado meio a meio para os divorciados, porque ocorreu com o concurso do trabalho de ambos os cônjuges; 3) prêmio de loteria, de sorteio, de rifa, etc. Caso um dos consortes que adquiri bilhete e este é premiado, durante a separação de fato, neste caso, sendo evidente a ausência de contribuição, do outro consorte, o prêmio não deve ser partilhado.

III
Vejamos o entendimento na Jurisprudência, concernente a partilha no divórcio em sede do ativo financeiro – FGTS!
Durante o casamento com comunhão parcial de bens, os valores recebidos pelo cônjuge trabalhador e destinados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS integram o patrimônio comum do casal? Devem ser partilhados em caso de divórcio?  

Em que pese o regime jurídico da comunhão parcial de bens, entendo haver os efeitos da presunção de benefício ao patrimônio da familiar. Aí, os frutos podem integrar.  

Com a resposta, decisão da 2ª Seção do STJ em julgamento de ação que discutia partilha de imóvel por ocasião do término do matrimônio. 

O Colegiado da Corte Superior sustenta que o patrimônio havia sido adquirido pelos ex-cônjuges após a doação de valores do pai da ex-esposa (à época em que ele era sogro dela) e com a utilização do saldo do FGTS de ambos os conviventes. E que uma das partes pedia a divisão igualitária dos recursos do fundo utilizados para a compra, apesar de o saldo de participação para aquisição ter sido diferente.

Valendo lembrar que no julgamento de segunda instância, o Tribunal havia afastado da partilha a doação realizada pelo genitor da ex-mulher, bem como os valores de FGTS utilizados para pagamento do imóvel, objeto da partilha na demanda.

Consoante entendimento da relatora do recurso especial, a Ministra Isabel Gallotti, o saldo da conta vinculada de FGTS, quando não sacado, tem “natureza personalíssima”, ou seja, em nome do trabalhador. Nesse caso, não seria cabível a divisão dos valores indisponíveis na conta ativa na hipótese de divórcio.

Cabe presumir, contudo, que a Ministra Relatora considerou que a parcela sacada por quaisquer dos cônjuges durante o casamento, investida em aplicação financeira ou na compra de bens, integra o patrimônio comum do casal, podendo ser dividida em caso de rompimento do matrimônio.

Sobre mais, na continuação do julgamento do recurso, os ministros da C. Corte Superior acompanharam o voto da Ministra Gallotti em relação à exclusão da partilha da doação paterna e da divisão igualitária dos valores do FGTS utilizados para compra do imóvel, pois os recursos eram anteriores ao casamento. Mas, ao manter a decisão do Tribunal de Segunda Instância, optaram por aderir à fundamentação apresentada pelo ministro do STJ, Luis Felipe Salomão em seu voto-vista. 

Para o ministro Salomão o titular de FGTS não tem a faculdade de utilizar livremente os valores depositados em conta fundiária, enquanto ativa, estando o saque submetido às possibilidades previstas na Lei nº 8.036/90 ou estabelecidos em situações excepcionais pelo Judiciário. Segundo o ministro Salomão o divórcio é “uma hipótese autorizadora do levantamento dos depósitos comunicáveis realizados no fundo”.

Ponderando em seu voto também que os valores a serem repartidos devem ser “destacados para conta específica, operação que será realizada pela Caixa Econômica Federal, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário e, consequentemente, providenciada sua meação”. 

Em derradeiro, o entendimento que restou definido pelos julgadores, é que pertencem ao patrimônio individual do trabalhador os valores recebidos a título de FGTS em momento anterior ou posterior ao casamento. No entanto, durante a vigência da relação conjugal, os proventos recebidos pelos cônjuges, independentemente da ocorrência de saque, “compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum do casal, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não”. (Nota: processo que versa causa de família tramitam em segredo de justiça).
Fonte material e referências bibliográficas:
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfang; STREEK, Lenio Luiz. Comentários à CONSTITUIÇÃO DO BRASIL: Editora Saraiva, 2013.
COSTA Machado e outros. Código Civil Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010
DALVI, Fernando; DALVI, Luciano. Manual Prático de Rotinas Trabalhistas e Previdenciárias descomplicado: Editora Contemplar, 2015.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2010.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil Vol. 5 – Direito de Família e Sucessões: Editora Saraiva, 2012
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – 5ª ed. Direito de Família, Atlas, 2005
www.espacovital.com.br/noticia
YUSSEF Said Cahali. Divórcio e Separação 9ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2000.

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