I
Inicialmente, breves considerações sobre o que é
o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço? Qual é a sua natureza jurídica?
O
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço está previsto no artigo 7º, III, da
Constituição Federal. Vejamos:
Art.
7º
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
FGTS é a
sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, foi criado pela Lei n.º 5.107/66 com o objetivo de proteger o
trabalhador demitido sem justa causa; sendo que atualmente, os Depósitos
Fundiários são regidos pela Lei n.º 8.036/90.
Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço é, portanto, uma conta bancária aberta em nome do
trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato
de trabalho. Ademais, deve o empregador depositar até o dia 7 de cada mês o
valor de 8% da remuneração na conta. Logo, o regime do FGTS introduz um pecúlio
progressivo e compulsório em favor do trabalhador. O artigo 15 da Lei nº
8.036/1990 destaca:
Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores
ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária
vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração
paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração
as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a
que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da
Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965. (Vide Lei nº 13.189, de 2015) Vigência
§ 1º Entende-se por empregador a pessoa física ou a pessoa jurídica
de direito privado ou de direito público, da administração pública direta,
indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem
assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição
ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da
responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que eventualmente venha
obrigar-se.
§ 2º Considera-se trabalhador toda pessoa física que prestar
serviços a empregador, a locador ou tomador de mão-de-obra, excluídos os
eventuais, os autônomos e os servidores públicos civis e militares sujeitos a
regime jurídico próprio.
Nestes
termos, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou
seja, uma espécie de “poupança”, (os depósitos efetuados nas contas vinculadas
serão corrigidas monetariamente com base nos parâmetros fixados para
atualização dos soldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de 3% ao
ano), deque é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa
ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei.
Ademais,
se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a
depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de
40% (quarenta por cento) do montante de todos os depósitos realizados na conta
vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente
e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90).
Com efeito, o trabalhador que
possui conta do FGTS vinculada a seu nome é chamado de trabalhador participante
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Jurisprudência do STF – RE 226.855/RS, rel. Min. Moreira Alves, j. em 31.8.2000,
DJ 13/10/2000 “não há direito adquirido ao regime jurídico do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), que não tem natureza contratual e pela sua natureza
estatutária, decorrente de lei, será por ela disciplinado (...) Apud J.J
Gomes Canotilho; Gilmar Mendes e outros. Comentários á Constituição do Brasil,
2013, p. 560).
Conforme entendimento da C. Corte
Superior, o FGTS possui natureza jurídica de direito social do trabalhador,
sendo considerado, portanto, fruto civil do trabalho (STJ. 3ª Turma. REsp.
848.660/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 13/05/2011)
II
Como funciona o regime da comunhão parcial no
Código Civil?
A união para o casamento,
além da assistência moral, material e espiritual, também almeja a mútua
cooperação. Outrossim, não deve o casamento possuir conteúdo econômico direto. Contudo,
a união de corpo e alma de dois seres traz inexoravelmente reflexos patrimoniais
para ambos, mormente após o desfazimento do vínculo conjugal. Por tais razões,
conforme Yussef Cahil “é licito aos nubentes, antes de celebrar o casamento,
estipular, quanto aos seus bens, o que lhe aprouver”
De tal
sorte, o regime de bens entre os consortes compreende uma das conseqüências jurídicas
do casamento, mais ainda, quando de sua ruptura, assim “regime de bens é o estatuto que regula as relações patrimoniais entre
os cônjuges, e entre estes e terceiros” (Moacir Amaral dos Santos, 1999, p.
291, apud Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – 5ª ed. Direito de Família,
Atlas, 2005)
O regime
da comunhão parcial é tratado pelos artigos 1.658 a 1.666 do CC/2002.
Nessa
espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância
do casamento, com exceção dos casos previstos no Estatuto Civil.
Dito de
outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os
cônjuges, salvo em algumas situações que a própria Lei 10.406/2002 determina a
incomunicabilidade:
Art. 1.658. No
regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
O artigo
1.660 do CC/02, lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao
casal:
Art. 1.660. Entram
na comunhão:
I — os
bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em
nome de um dos cônjuges;
II — os
bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa
anterior;
III — os
bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV — as
benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V — os
frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
CC/02, o
artigo 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:
Art. 1.659.
Excluem-se da comunhão:
I — os
bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância
do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II — os
bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em
sub-rogação dos bens particulares;
III — as
obrigações anteriores ao casamento;
IV — as
obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V — os
bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI — os
proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII — as
pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Em síntese,
cada um dos consortes quando se casa sob o regime da comunhão parcial de bens,
traz e conserva como seu o patrimônio próprio formado anteriormente ao
casamento e, na constância da união, contribui para a formação de um montante
único, sendo esse, o que deve ser divido numa eventual separação, pois aqueles
são, a priori, incomunicáveis.
P.ex.: 1) Um dos consortes, durante o casamento,
adquiriu um bem com o produto da venda de outro bem, que já era dele antes do
casamento, o bem adquirido não entra na
comunhão; 2) Agora, um imóvel
adquirido por meio de fidúcia por um dos consortes antes da constância do casamento
é quitado posteriormente, deve ser partilhado
meio a meio para os divorciados, porque ocorreu com o concurso do trabalho
de ambos os cônjuges; 3) prêmio de
loteria, de sorteio, de rifa, etc. Caso um dos consortes que adquiri bilhete e
este é premiado, durante a separação de fato, neste caso, sendo evidente a
ausência de contribuição, do outro consorte, o prêmio não deve ser partilhado.
III
Vejamos o entendimento na Jurisprudência,
concernente a
partilha no divórcio em sede do ativo financeiro – FGTS!
Durante o casamento com comunhão parcial de bens,
os valores recebidos pelo cônjuge trabalhador e destinados ao Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço - FGTS integram o patrimônio comum do casal? Devem ser
partilhados em caso de divórcio?
Em que pese o regime jurídico da comunhão parcial
de bens, entendo haver os efeitos da presunção de benefício ao patrimônio da
familiar. Aí, os frutos podem integrar.
Com a resposta, decisão da 2ª Seção do STJ em
julgamento de ação que discutia partilha de imóvel por ocasião do término do
matrimônio.
O Colegiado da Corte Superior sustenta que o
patrimônio havia sido adquirido pelos ex-cônjuges após a doação de valores do
pai da ex-esposa (à época em que ele era sogro dela) e com a utilização do
saldo do FGTS de ambos os conviventes. E que uma das partes pedia a divisão
igualitária dos recursos do fundo utilizados para a compra, apesar de o saldo
de participação para aquisição ter sido diferente.
Valendo lembrar que no julgamento de segunda
instância, o Tribunal havia afastado da partilha a doação realizada pelo
genitor da ex-mulher, bem como os valores de FGTS utilizados para pagamento do
imóvel, objeto da partilha na demanda.
Consoante entendimento da relatora do recurso
especial, a Ministra Isabel Gallotti, o saldo da conta vinculada de FGTS,
quando não sacado, tem “natureza personalíssima”, ou seja, em nome do
trabalhador. Nesse caso, não seria
cabível a divisão dos valores indisponíveis na conta ativa na hipótese de
divórcio.
Cabe presumir, contudo, que a Ministra Relatora considerou
que a parcela sacada por quaisquer dos cônjuges durante o casamento, investida em aplicação financeira ou na compra de bens, integra o
patrimônio comum do casal, podendo ser dividida em caso de rompimento do
matrimônio.
Sobre mais, na continuação do julgamento do
recurso, os ministros da C. Corte Superior acompanharam o voto da Ministra
Gallotti em relação à exclusão da partilha da doação paterna e da divisão
igualitária dos valores do FGTS utilizados para compra do imóvel, pois os
recursos eram anteriores ao casamento. Mas, ao manter a decisão do Tribunal de
Segunda Instância, optaram por aderir à fundamentação apresentada pelo ministro
do STJ, Luis Felipe Salomão em seu voto-vista.
Para o ministro Salomão o titular de FGTS não tem
a faculdade de utilizar livremente os valores depositados em conta fundiária,
enquanto ativa, estando o saque submetido às possibilidades previstas na Lei nº
8.036/90 ou estabelecidos em situações excepcionais pelo Judiciário. Segundo o
ministro Salomão o divórcio é “uma hipótese autorizadora do levantamento
dos depósitos comunicáveis realizados no fundo”.
Ponderando em seu voto também que os valores a
serem repartidos devem ser “destacados para conta específica, operação que
será realizada pela Caixa Econômica Federal, para que num momento futuro,
quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a
retirada do numerário e, consequentemente, providenciada sua meação”.
Em derradeiro, o entendimento que restou definido
pelos julgadores, é que pertencem ao patrimônio individual do trabalhador os
valores recebidos a título de FGTS em momento anterior ou posterior ao
casamento. No entanto, durante a vigência da relação conjugal, os proventos recebidos
pelos cônjuges, independentemente da ocorrência de saque, “compõem o
patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a
formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum do casal,
independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do
outro não”. (Nota: processo que versa causa de família tramitam em segredo
de justiça).
Fonte
material e referências bibliográficas:
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET,
Ingo Wolfang; STREEK, Lenio Luiz. Comentários
à CONSTITUIÇÃO DO BRASIL: Editora Saraiva, 2013.
COSTA Machado e
outros. Código Civil Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010
DALVI, Fernando;
DALVI, Luciano. Manual Prático de Rotinas Trabalhistas e Previdenciárias
descomplicado: Editora Contemplar, 2015.
DIAS, Maria Berenice.
Manual de Direito de Família, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2010.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil Vol. 5 – Direito de
Família e Sucessões: Editora Saraiva, 2012
NEGRÃO Theotonio e outros. Código Civil e Legislação Civil em
Vigor, 33ª edição, Ed. Saraiva, 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo.
Direito Civil – 5ª ed. Direito de Família, Atlas, 2005
www.espacovital.com.br/noticia
YUSSEF Said
Cahali. Divórcio e Separação 9ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2000.
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