terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Vícios redibitórios

 

Visão panorâmica sob a ótica do vício oculto no bem imóvel

Em termos de tutela legiferenda, o defeito grave da coisa é sempre oculto. Se aparentes ou conhecidos do adquiridor, não produzem efeito algum, pois se presume que o adquirente, tendo notado tais defeitos, já ofereceu pela coisa preço compatível com seu caráter defeituoso.

Sendo certo que o vendedor deve entregar a coisa vendida sem a modificação de seu estado, até o momento da tradição é essência na natureza negocial. Nesse universo, aflora a garantia contratual, entre as partes.

SÍLVIO DE SAVIO VENOSA adverte que “a garantia refere-se a vício oculto na coisa, ao tempo da transmissão.”. Escreve ainda o insigne mestre que não se confunde o vício redibitório com o erro no negócio jurídico. No erro, o adquirente tem uma ideia falsa da realidade. “A deficiência é subjetiva, emanada do próprio declarante da vontade.” (Direito Civil, p. 545:2003).

Textualiza o estatuto civil vigente que a coisa recebida em contrato cujas prestações recíprocas a que se obrigam os contratantes são perfeitamente equivalentes pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Às doações onerosas recebem tutela redibitória também.

No ordenamento doutrinário, escreve FLAVIO TARTUCE[1] que a figura dos vícios redibitórios são defeitos ocultos da coisa que a tornam imprópria ao uso a que se destina, ou lhe diminuem o valor. Salienta, ainda, este festejado escritor que a compra de um carro com defeito no sistema de resfriamento do motor ou de um apartamento com falhas em sua instalação hidráulica são exemplos de contratações maculadas por vícios redibitórios. Afirmando que os o defeito grave da coisa devem já existir ao tempo da tradição. Com efeito, deformidades que venham a nascer após a tradição já encontram a coisa incorporada ao patrimônio do adquirente e não atraem a tutela contra vícios redibitórios (res perit domino).

Nesse diapasão, o dispositivo legal ante a verificação de vício redibitório é a faculdade de rejeitar a coisa, que, em termos técnicos, pode o credor redibir o contrato, o que significa dizer é promover sua extinção com retorno das partes ao status quo ante: o adquirente devolve a coisa e recebe de volta a sua prestação.

Tal situação já foi, inclusive, objeto de análise jurisprudencial, destacando-se os seguintes arestos:

Escorreita é a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Rel. Min. Nancy Andrighi: “O equívoco inerente ao vício redibitório não se confunde com o erro substancial, vício de consentimento previsto na Parte Geral do Código Civil, tido como defeito dos atos negociais. O legislador tratou o vício redibitório de forma especial, projetando inclusive efeitos diferentes daqueles previstos para o erro substancial. O vício redibitório, da forma como sistematizado pelo CC/16, cujas regras foram mantidas pelo CC/02, atinge a própria coisa, objetivamente considerada, e não a psique do agente. O erro substancial, por sua vez, alcança a vontade do contratante, operando subjetivamente em sua esfera mental” (STJ, REsp 991.317/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.12.2009).

“1. A CEF é sucessora do BNH nos direitos e obrigações decorrentes de contratos de financiamento firmados com base no SFH, de modo que é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda que discute questões envolvendo a referida modalidade de avença. 2. No que tange especificamente à legitimidade para compor o polo passivo nas demandas que versem sobre danos no imóvel financiado com base no SFH decorrentes de vício de construção, a jurisprudência é pacífica no sentido da solidariedade entre o agente financeiro e a seguradora, de modo que deve ser rejeitada a preliminar de ilegitimidade ventilada pela CEF. 3. Não merece guarida a argumentação da CEF uma vez que não restou demonstrada a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação em seu desfavor pela manutenção da tutela antecipada concedida na sentença sob comento. 4. Embora os autores não tenham pleiteado expressamente a rescisão do contrato, a referida providência consiste em desdobramento lógico do pedido formulado na inicial de devolução de todas as prestações pagas. 5. Quanto ao pedido de sustação dos descontos em folha de pagamento, também deve ser rejeitada a preliminar arguida pela CEF, uma vez que, além de ser consequência lógica do pedido principal, o referido pleito foi apresentado na petição de fls. 344/346. 6. O laudo de danos físicos de fls. 122/123, devidamente assinado por responsável técnico, atesta a existência de vício na construção do imóvel pela inadequação da fundação para absorver as acomodações do terreno que tem uma baixa capacidade de suporte de carga por tratar-se de terreno alagadiço. 7. Comprovada a existência de vícios ocultos no imóvel financiado, conclui-se ter agido corretamente o magistrado de primeiro grau quando determinou a rescisão do contrato de mútuo firmado entre as partes, a interrupção dos descontos nos contracheques do mutuário e a devolução das parcelas adimplidas, por estar em plena conformidade com os artigos 441, 443 e 444 do Código Civil. 8. Demonstrada, portanto, a conduta ilícita da CONSTRUMOTA, que construiu o edifício em que se encontra o imóvel objeto dos autos sem observar as devidas normas técnicas, e o nexo de causalidade entre esse fato e o prejuízo suportado pelos autores, que necessitaram abandonar o imóvel em decorrência do risco de desmoronamento, e, considerando-se ainda a responsabilidade solidária da CEF, como entidade gestora do SFH, deve ser mantida a condenação prevista na sentença recorrida de pagamento pelas rés de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, visto que o referido valor é suficiente para cumprir as funções compensatória e punitiva dessa espécie indenizatória. 9. Preliminares arguidas pela CEF rejeitadas e apelações da CEF e da CONSTRUMOTA não providas.” (TRF 5ª da Região. AC nº 458532/PE (2006.83.00.003356-1), 1ª Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Rogério Fialho Moreira. j. 19.08.2010, unânime, DJe 02.09.2010).

“1. Nos termos do art. 441 do Código Civil de 2002, o reconhecimento da procedência da pretensão redibitória impõe que se comprove não apenas o vício existente no bem como, igualmente, que este se mostrava oculto quando da realização do negócio. 2. Tratando-se de demanda sobre a qual não incide o diploma consumerista, o ônus da prova quanto aos requisitos acima expostos recai sobre o autor, nos termos tanto do diploma processual de 1973 (art. 333, II), quanto do atualmente em vigor (art. 373, II). 3. Caso concreto em que os autores não se desincumbiram do ônus de comprovar que, quando realizaram a permuta questionada nos autos, não lhes fora informada - ou mesmo que lhes era impossível conhecer - a natureza non edificandi dos imóveis que receberam, mostrando-se correta a sentença a quo que julgou sua pretensão improcedente. 4. Recurso improvido.” (Processo nº 0501783-90.2005.8.08.0035, 2ª Câmara Cível do TJES, Rel. Carlos Simões Fonseca. j. 24.05.2016, DJ 02.06.2016).

“1. Tratando a hipótese de redibição de contrato de compra e venda, pela existência de vícios ocultos no imóvel, o prazo decadencial é de um ano, a contar do conhecimento do vício, conforme o art. 445, § 1º, do CC. 2. Considerando a existência de vício redibitório no bem imóvel, uma vez que inserido em área de preservação permanente e em faixa de domínio do DER/ES, deve ser rescindido o contrato, com o retorno das partes ao statu quo ante, nos termos do art. 441, do CC. 3. Recurso desprovido.” (TJES. Processo nº 0001977-27.2013.8.08.0049, 3ª Câmara Cível do TJES, Rel. Samuel Meira Brasil Júnior. j. 04.08.2015, DJ 17.08.2015).

Considerações finais. No campo material, o durâmen dos direitos do adquirente de um serviço ou produto é a garantia de utilidade da finalidade noticiada em sua quantidade e qualidade. E quem deve dar tal garantia é quem do produto ou serviço se dispôs. Ademais, nem sempre a coisa transmitida, são garantidamente perfeitas. Se o contratante desconhecia a existência de um erro, defeito ou vício que torna a coisa adquirida imprópria para o uso ou que lhe diminua o valor evidente ou pactuado, tem-se, a lume, o vício redibitório. Todavia, a pretensão redibitória impõe que se comprove não apenas o vício existente, outrossim, que o defeito se mostrava oculto quando da realização do negócio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTE MATERIAL DE PESQUISA:

COSTA Machado e outros. Código Civil Interpretado: 3ª ed. Editora Manole, 2010.

FILHO, Misael Montenegro. Ação de Indenização no Novo CPC 3ª edição, Editora Atlas, 2016.

JUNIOR, Darcy Arruda Miranda. Das Obrigações Civis na Jurisprudência: LEUD, 1987.

TARTUCE, Flávio E Outros. CÓDIGO CIVIL COMENTADO, edição digital, Rio de Janeiro – Editora Forense, 2019.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. II - 3ª edição: Editora Atlas, 2003.

Vade Mecum RT – 20ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2022.

http://www4.planalto.gov.br/legislacao...

http://www.stj.jus.br/sites/STJ

 



[1]  TARTUCE, Flávio E Outros. CÓDIGO CIVIL COMENTADO, edição digital, Rio de Janeiro – Editora Forense, 2019.

0 comments:

Matérias de caráter meramente informativo, escopo precípuo, pensamento jurídico, com ênfase em lei, doutrina e jurisprudência, sujeitas a alterações, nos termos da lei ou erro material.
Todos os Direitos Reservados. | Lunna Chat 2010 - 2020

Designed By : Blogger Motion