quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Acidente de trânsito, crime por fuga do local do acidente


O Plenário do Supremo Tribunal Federal dá repercussão geral a um recurso que discute crime por fuga do local em acidente de trânsito. Assim, conforme dispõe o artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que tipifica como crime a fuga de local do acidente, terá a sua constitucionalidade analisada pelo Supremo.

A matéria que tem relatoria do Ministro Luiz Fux, será debatida no Recurso Especial nº 971959 - (RS), cuja repercussão geral fora reconhecida por unanimidade pelo Plenário Virtual da Suprema Corte.


Por oportuno, o instituto da repercussão geral, teve a sua base sedimentada na Emenda Constitucional nº 45/2004 (Art. 102, § 3º; Art. 103-A, da CF; Art. 543-C, do CPC/73); assim sendo, veio a lume com escopo de dar primazia à função do Pretório Excelso, para uniformizar a interpretação da legislação, embora, compete-lhe a guarda da Constituição Federal. Nesse sentido, a repercussão geral configura-se como filtro dos recursos extraordinários direcionados a Corte Maior; quer dizer, orbita na transcendência para além da causa, numa importância do exclusivo interesse inter partes, e, com efeito, implicando em interesse mais geral, seja econômico, jurídico, moral social ou político.  


Doravante, há décadas as tragédias ocorridas no trânsito têm tomado destaques, inclusive em estatísticos oficiais, quando, infelizmente, noticiam que anualmente o trânsito brasileiro provoca mais mortes que muitas guerras que acontecem atualmente pelo planeta.

E não é só, casos de acidentes de trânsitos ocupam enormes espaços dos escaninhos policias e forense, segundo Fernando Fukassawa, convertendo-se numa verdadeira epidemia, outrossim, desafortunando muitas famílias. (Crimes de Trânsito, 2015, p. 21).

Por certo são fatos assustadores que levaram o legislador brasileiro a tomar medidas severas visando a minimizar o elevado índice de mortes no trânsito. Nesse prisma, aos 23/09/1997 foi sancionado o CTB através da Lei nº 9.503/97, vez que o artigo 305 tipifica como crime, afastar-se do local, aquele, mesmo que não tenha dado causa ao acidente, com escopo de escapar de responsabilidade civil ou penal que lhe possa ser imputada.

Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.    

Entendo que além de tentar buscar novas soluções ao nosso caótico sistema viário, este diploma assumiu feição clássica do Direito Penal, procurando tutelar os interesses mais elevados da sociedade. Como ultima ratio, o legislador não enxergou outra solução a não ser criar figuras penais específicas para coibir motoristas imprudentes.


No caso do processo em comento, um condutor fugiu do local em que colidiu com outro veículo e foi condenado, com base no dispositivo retro, a oito meses de detenção, pena esta, substituída por restritiva de direitos. Em recurso de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se pronunciou pela absolvição, sob o entendimento de que, ninguém é obrigado a produzir provas contra si; asseverando, ainda, o acórdão do Tribunal Gaúcho, que o dispositivo do CTB é inconstitucional, pois a simples presença no local do acidente representaria violação da garantia de não autoincriminação, prevista no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.

O acórdão textualiza em ressalva, no caso dos autos a não permanência não representou omissão de socorro, prevista no artigo 305 da Lei nº 9.503/97.

O MP do Rio Grande do Sul interpôs recurso extraordinário argumentando que o dispositivo é constitucional e não representa obstáculo à imputação do crime de fuga, pois os direitos a não autoincriminação e ao silêncio permaneciam incólumes. Sustenta ainda, que a permanência do condutor no local em que ocorreu o acidente não se confunde com confissão de autoria ou reconhecimento de culpa, mas visa proteger a administração da justiça, em vista que é determinante para a apuração dos fatos e identificação dos envolvidos. Ressalta o dever de cidadania com arrimo em prestar auxílio a quem porventura venha a ser injuriado por ocasião de um acidente.

Lado outro, o ministro Luiz Fux ao se manifestar pelo reconhecimento da repercussão geral ao feito, observou que além do TJ/RS, outros Tribunais de Justiça, como no caso de São Paulo, Minas Gerais e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possuem decisões no sentido da inconstitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, consignando que a simples permanência na cena do crime já seria suficiente para caracterizar ofensa ao direito ao silêncio e de que obrigar o condutor a permanecer no local do fato, e com isso fazer prova contra si, afrontaria ainda o disposto no artigo 8º, inciso II, alínea g, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), qual o Brasil é signatário.

Assentou ainda o Ministro Fux “uma vez que a matéria transcende interesse das partes envolvidas, sendo relevante do ponto de vista social e jurídico, porquanto mister se faz debruçar sobre tema, no afã de traçar os limites dos direitos constitucionais ao silêncio e ao de não produzir prova contra si”.

Quanto ao Ordenamento Jurídico, mediante previsão insculpida no artigo 291 do CTB aplicam-se aos crimes cometidos na direção de veículos automotores as normas gerais descritas no CP, no CPP e na L. 9.099/95.
Fonte material e referências bibliográficas:
ASSIS, Araken. Manual dos Recursos 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2014.
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfang; STREEK, Lenio Luiz. Comentários à CONSTITUIÇÃO DO BRASIL: Editora Saraiva, 2013.
FUKASSAWA, Fernando. Crimes de Trânsito 3ª edição: APMP, 2015.
JUNIOR, Marcos Aurélio Serau e REIS, Silas Mendes dos. Manual dos Recursos Extraordinário e Especial, Editora Método, 2012.
www.stf.jus.br - Notícias do STF (15 de agosto de 2016)

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