Prolegômenos
Bem Jurídico – e o Princípio da Proporcionalidade
CONCEITO – O cheque é o título revestido de determinadas formalidades legais contendo uma ordem de pagamento à vista, passada em favor próprio ou de terceiro.
NATUREZA JURÍDICA – Segundo Eunápio Borges, que proclama a verdadeira natureza jurídica do cheque: “mero instrumento de retirada de fundos ou movimentação de conta bancária”. Apud, ALMEIDA, Amador Paes de. TEORIA E PRÁTICA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO: Editora Saraiva, p 75, 1986.
Emissão
Emitir cheque sem fundos é delito de estelionato tipificado no artigo 171, § 2º, inciso VI, do CP, descrito como o ato de emitir cheque, sem provisão de fundos em poder do sacado, ou frustar-lhe o pagamento, incluindo o agente nas mesmas penas de quem obtém “para si ou outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudolento”. Sem fraude não configura o crime: Súmula 58 do STF, verbis:
Inicialmente, o crime em comento, é crime patrimonial peculiar ao correntista, comporta a participação de terceiro na emissão fraudolenta. Se o emitente não for correntista, com efeito, tipifica-se o delito de estelionato previsto no caput do artigo 171, do CP, e, conforme entendimentos proferidos por tribunais pátrio, in verbis:
“Houve a falsificação e o uso de documento falso para a abertura de conta-corrente fraudulenta e a respectiva emissão de cheques sem a necessária provisão de fundos, resultando em obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de terceiros (art. 171, caput, do digesto repressor). Tem aplicação a Súmula 554 do Supremo Tribunal Federal quando o caso envolver pagamento com cheques sem provisão de fundos a partir de conta corrente regular (art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal).” (TRF 4ª R. – RSE 2004.70.00.027094-1 – 7ª T. – Relª Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère – DJU 07.02.2007).
O sujeito passivo do crime é o beneficiário ou tomador do cheque (pessoa física ou jurídica).
“A pessoa jurídica pode ser vítima de crime de estelionato na modalidade de emissão de cheque sem fundos. Não é necessário que o sujeito passivo do crime seja vítima do dano patrimonial e também do erro, o que se exige é o nexo causal. Assim, se o cheque emitido sem suficiente provisão de fundos foi recebido como ordem de pagamento à vista por funcionário da empresa, ela suportou o prejuízo, sendo, portanto, a vítima” (TACRIM-SP – AC – Rel Fábio de Araújo – RT 632/305).
“Sujeito passivo da fraude no pagamento por meio de cheque (art. 171, § 2.º, VI, do CP) é o tomador (beneficiário) que o aceitou como pagamento. O fato de o ter repassado não tira de si a qualidade de vítima. O reembolso, antes de ser interpretado como dado em prol da exoneração da responsabilidade do passador do cheque sem fundos, deve, para que se realize a justiça, ser visto como o que é, ou seja, a materialização da noção intuitiva de que a vítima do delito foi quem recebeu o cheque e suportou inicialmente a falta de fundos durante algum tempo, ainda que breve, como proprietário do título ao portador, até que o transferiu ao terceiro, que o recebeu confiando no que o portador lhe trazia, arcando, contudo, este último, a final, com o prejuízo exatamente porque ele, e não o terceiro, é que fora vítima do logro, fixado no momento exato do recebimento do cheque das mãos do agente” (TACRIM-SP – AC – Rel. Sidnei Beneti – RT 643/306)
Quanto ao o sujeito ativo: “Pode responder pelo crime previsto no art. 171, § 2.º, VI, do CP a pessoa que, em nome de firma comercial, emite cheque sem fundos” (TJGB – AC – Rel. Jônatas Milhomens – RT 449/482).
A conduta típica singe-se em duas condutas
> Emitir (colocar em circulação) o cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do banco sacado; e
> Frustrar o pagamento (retirar a provisão antes do saque ou ofertar contra-ordem de pagamento).
Bem Jurídico – e o Princípio da Proporcionalidade
“Para efeito de caracterização do estelionato pela emissão do cheque desprovido de fundos na conta bancária, não basta à aferição do logro, mas é inquestionável que se precise o prejuízo emergente da vítima em relação ao procedimento ardiloso de quem emite a cártula” (TACRIM-SP – EI 713.465 – Rel. Oliveira Ribeiro – RT 718/413).
Caracterização da fraude no pagamento por meio de cheque
“O delito do art. 171, § 2.º, VI do CP só se aperfeiçoa com demonstração de que o título fora emitido para pagamento à vista” (TACRIM-SP – AC – Rel. Xavier Homrich – JUTACRIM59/293).
“A função do cheque é uma ordem de pagamento à vista, havendo, portanto, uma obrigação preliminar no sentido de que ele possa ser liquidado de imediato, com a simples apresentação perante o sacado. Ora, se não possuía suficiente provisão de fundos, ficando na dependência de algum depósito, deu ensejo ao crime em foco” (TACRIM-SP – AC – Rel. Gentil Leite – JUTACRIM 70/320).
“Emissão de cheques sem fundos – Inexistência do nome do beneficiário – apresentação ao banco sem assinatura, no verso, do nome do portador – Irrelevância das circunstâncias – “O nome do beneficiário não é requisito essencial do cheque. Sua falta não o desnatura, pois o interessado pode completá-lo. Por outro lado, a assinatura que os bancos exigem no verso do título não é endosso, mas simples recibo de pagamento, quando feito” (TACRIM-SP – Rev. – Rel. Weiss de Andrade – JUTACRIM 58/28).
Não caracterização da fraude no pagamento por meio de cheque
“Se os dados, objetivamente, indicam que o cheque não foi emitido para pagamento à vista, não há que se perquirir acerca do ilícito penal insculpido no art. 171, § 2.º, inciso VI, do C. Penal. Sem fraude a matéria deixa de ter interesse penal (Súmula 246-STF)” (STJ – 5.ª T. – HC 10.112 – Rel. Félix Fischer – j. 04.11.1999 – DJU 06.12.1999, p. 105).
“A adulteração no cheque da importância algarismada, por constituir meio totalmente inidôneo para induzir ou manter alguém em erro, não configura o crime de estelionato, pois, “havendo diferença entre a quantia em algarismos e a enunciada por extenso, ela paga está” (art. 9.º do Dec. 2.591/12)” (TJSP – AC – Rela. Thereza Tang – RT 560/361).
“Cheque. Emissão sem provisão de fundos. Vinculado o título à escritura que resultou rescindida, tornando sem objeto sua cobrança, afasta a configuração delituosa” (STF – HC – Rel. Thompson Flores – RTJ 49/529).
“Não comprovada a fraude, configurado não fica o crime de emissão de cheque sem fundos” (TACRIM-SP – AC – Rel. Silva Pinto – RT 609/351)
Apresentação.
Vale lembrar que todo beneficiário de um cheque tem um prazo para apresentá-lo ao banco (sacado) para respectivo resgate. Assim sendo, o prazo de apresentação do cheque é de 30 dias (na praça de emissão) ou 60 dias (em outra praça). Portanto, seu desconto fora desses prazos leva à presunção relativa de que o cheque foi emitido como mera promessa de pagamento, descacterizando-se, portanto, o título como cheque e, por conseguinte, o delito.
Em suma, se o portador só apresentou o cheque após decorrido o prazo legal de apresentação, presume-se que não foi emitido como ordem de pagamento a vista. Logo, caso assim aconteça, não há crime, pelo fato de estar sem fundo, “na suposta data apresentada”.
De outra forma, se o cheque falsificado é utilizado como expediente destinado a induzir a vítima a erro, o delito é o do artigo 171, caput do CP. Nas mesmas penas incorre quem emite cheque sobre conta encerrada.
Não haverá crime:
> se o cheque for apresentado antes da data de emissão;
> se o cheque for emitido como mera garantia de dívida;
> se o cheque for emitido para pagar dívida de jogo;
> se cheque substitui outro título de crédito ou débito anterior, uma vez que não causa prejuízo novo.
Caso ocorra o crime, trata-se de delito material que se consuma no momento em que o banco sacado nega seu pagamento, admite tentativa. É punível a título de dolo.
Competência: Súmula 244 do STJ – “Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.”
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito: Editora Saraiva, 1986.
DELMANTO, Celso, e outros. Código Penal Comentado: 7ª Edição, Editora Renovar, 2007.
JUNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito Comercial 3ª edição: editora Atlas, 2003.
STOCO, Rui e ALBERTO Silva Franco. Código Penal e sua Interpretação: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
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